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ENTREVISTA

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Anteprojeto de lei do CNJ relativa às ações coletivas com o vice-diretor da Esmaf, o desembargador federal Wilson Alves de Souza.

Anteprojeto de Lei do CNJ sobre as Ações Coletivas – Melhorias e Expectativas

Patrícia Gripp  | Ed. 118 mar 2021

A Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) promoveu, no dia 29 de março, a 2ª edição da Aula Magna Internacional com o tema “O Anteprojeto CNJ de Lei das Ações Coletivas”, para aprimorar a atuação do Poder Judiciário nas ações de tutela de direitos coletivos e difusos. 

 

A aula foi mediada pelo desembargador federal do TRF1 Wilson Alves de Souza, vice-diretor da Esmaf. Para ele, “esse é um tema crucial para a sociedade brasileira”. 

 

Na ocasião, muitas questões importantes foram levantadas, como a elaboração do texto por notáveis processualistas e membros do Ministério Público, além de críticas a alguns pontos do anteprojeto. 

 

No dia 1º de setembro do ano passado, representantes do Conselho Nacional de Justiça entregaram à Câmara dos Deputados, o anteprojeto de lei, que tramita atualmente na Casa. 

 

Primeira Região em Revista entrevistou o desembargador federal Wilson Alves de Souza, que faz uma avaliação do projeto e detalha o tema para você: 

1 – Primeira Região em Revista - O que motivou a elaboração desse projeto de lei pelo Conselho Nacional de Justiça?

É muito difícil saber qual teria sido a motivação da elaboração desse projeto de lei pelo Conselho Nacional de Justiça. Esse conselho não tem essa atribuição, mas evidentemente que como qualquer entre estado, ou mesmo da sociedade civil, pode apresentar proposições no sentido de melhorar o sistema jurídico nacional. Então, acredito que a motivação tenha sido essa. 

2 – Primeira Região em Revista – Alguns especialistas criticaram o processo de elaboração do projeto, que, segundo eles, teria deixado de escutar estudiosos sobre o tema. O senhor acredita que a norma foi debatida o suficiente para sua apresentação ao Congresso?   

No âmbito dos juízes, eu creio que não houve esse debate. Eu pelo menos não recebi nenhuma comunicação para apresentar sugestões, de maneira que eu acho que essa crítica seja válida. Não houve o debate necessário no ambiente judiciário. Como se trata de um projeto de interesse na sociedade brasileira essa crítica se torna mais procedente, porque qualquer projeto que se apresente nesse sentido, ainda mais com as responsabilidades de um órgão como o CNJ, deveria ser amplamente debatido no âmbito da sociedade ainda, que é para apresentação de um anteprojeto. Mas isso é uma questão de gestão, de administração, de entender que haveria urgência nesse encaminhamento. 

3 – Primeira Região em Revista – Qual foi a participação do TRF neste processo?  

Infelizmente, como já dito, eu pessoalmente não recebi nenhuma solicitação para apresentar alguma sugestão a esse anteprojeto. 

 

4 – Primeira Região em Revista – A legislação que rege as ações coletivas possui quase 40 anos e está disciplinada em várias normas. O senhor considera que essa realidade compromete a efetividade dos direitos e garantias constitucionais dos cidadãos? 

Eu diria que a falta de um código de processo coletivo dificulta a efetividade da tutela coletiva. Principalmente no que se refere à tutela pertinente aos direitos e interesses difusos. Nesse ponto, no que diz respeito à sociedade como um todo, mas também à tutela dos direitos e garantias constitucionais do cidadão. A tutela coletiva significa, em grande medida, também a proteção a esses direitos, não em caráter individual, mas com uma conotação coletiva, que é justamente o propósito desse tipo de tutela.  

Então, essa pulverização legislativa é muito ruim. Aliás, uma das críticas que eu faço ao anteprojeto é justamente essa, porque ele só contém as normas gerais, mas deveria ter também normas específicas, que continuam em outras leis. Normas específicas naquilo que exigia uma especificidade, por exemplo, o mandado de segurança coletivo exige uma especificidade. No código coletivo, teria um capítulo referente à questão do mandado de segurança coletivo. E assim por diante.  

Na minha opinião, eu eliminaria essas ações todas que só fazem confusão - a Lei de Ação Popular, a Lei da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor, a questão do mandado de segurança coletivo, da proteção ao idoso, e da criança e do adolescente. Todas as normas coletivas abrangidas por um código apenas, bastaria uma lei coletiva.

 

Fica uma confusão, por exemplo, quando se está falando de ação popular e de ação civil pública, duas ações diferentes, com o mesmo objeto, com a mesma causa de pedir. Quando a gente mata os diferentes, inclusive, para se dizer que descabe ação popular quando ela é proposta pelo Ministério Público, por exemplo, porque só o cidadão que pode propor, ou o contrário, que o cidadão não pode propor ação civil pública, porque só instituições podem - no fundo, a ação pode ser a mesma, em termos de causa de pedir e de objeto ou pedido. Então, essas confusões temos que terminar.  

Outra crítica é a repetição de normas do Código de Processo Civil, que são desnecessárias no Código de Processo Coletivo. Os artigos 16, 17, 18 e 20 são repetições de direito probatório que já estão no Código de Processo Civil, por exemplo. Não é necessário repetir esses dispositivos. É preciso colocar dentro de um código coletivo aquilo que seja essencialmente pertinente - a tutela coletiva. O que não for, não precisa dizer que se aplica ao artigo X, código tal, a não ser subsidiariamente no que couber, porque ela é subentendida. Pode até colocar, mas não repetir. 

 

5 – Primeira Região em Revista – O senhor julga que existe algum ponto na nova legislação que deva ser aperfeiçoado durante o trâmite do projeto no Congresso Nacional?   

São muitos os pontos nesse projeto que merecem algum ajuste na minha visão. A primeira questão, na minha análise, é que deveria ser alterado o parágrafo 3º, do artigo 7º, que fala da destinação dos valores ao fundo gerido por Conselhos Federais e Estaduais, quando for desproporcional o custo da execução. Seria melhor ser falado o princípio da insuficiência ou da insignificância, se for o caso. Falar em ser desproporcional o custo da execução é muito vago. O princípio da insignificância também é uma coisa vaga, mas ele já é tratado em nosso sistema.  

É preciso que a tutela coletiva, no que se refere aos direitos individuais homogêneos, que aqui é a hipótese, não pode funcionar como se fosse uma espécie de mera sanção ou com caráter tributante, com relação àquele que causou o prejuízo. É preciso, de algum modo, proteger também aquele que tem o interesse individual atingido. A minha sugestão para essa questão seria que a execução fosse coletiva e que os sujeitos individualmente atingidos, poderiam fazer suas postulações ao fundo para serem ressarcidos, porque muitas vezes são pessoas humildes que são prejudicadas com esses danos coletivos. Para essas pessoas humildes, o pouco, insignificante, pode ser muito. Então, em vez de desfazer as execuções individuais, ela seria coletiva e não iria tudo para o fundo. Essas pessoas poderiam ser chamadas a receber os valores a  que teriam direito. 

Outro ponto questionável é na questão do prazo de 15 dias, previsto no artigo 12. A lei fala que se existe complexidade esse prazo poderá ser ampliado pelo  juiz. Acredito que se já se reconhece que a ação coletiva, em regra, tem um grau de complexidade, deveria se fixar um prazo maior do que o prazo do procedimento comum, que é de 15 dias. Devemos estudar, mas eu sugiro que seja de 30 dias, pode ser um pouco mais ou um pouco menos, aí é uma questão de análise. Para não tumultuar o processo, senão as partes conseguem fazer uso desse pedido de ampliação de prazo e isso vai gerar incidentes, recursos, isso é ruim. Pra mim isso gera tumulto processual e, portanto, retardamento da prestação jurisdicional. 

Também considero desnecessário o parágrafo 1, do artigo 11, não precisa dizer que se a agência reguladora tiver interesse na lide, ela será litisconsorte necessário. Qualquer questão de você ser parte em um processo envolve uma regra geral e uma situação peculiar de pertinência e identificação subjetiva da lide no caso concreto. Então, se a agência reguladora for identificada como litisconsorte necessário e a parte não o fizer, o juiz vai fundamentar isso, no caso concreto, e determinar que a parte emende a petição para pedir a citação desse ente.  

Na questão dos acordos de tutela coletiva, disposta no artigo 11, especialmente em matéria ambiental, têm que ser vistas com muito cuidado. Penso que o magistrado não deve ser um mero homologador formal da validade do ato. Por validade se deve entender o caráter também substancial do acordo, porque esse tipo de tutela pode atingir a sociedade e nós estamos falando de ações coletivas como um todo. A norma aqui para evitar dúvida deveria, portanto, explicitar que o magistrado fará a verificação não só no aspecto formal, mas também substancial do acordo para fazer a homologação. Fora daí o magistrado poderia fazer a homologação e acordos que são contrárias ao interesse da sociedade brasileira.  

Na minha análise, o artigo 13 também tem um problema. Ele fala de competência em razão do lugar, mas fala também que se houver Vara Especializada, preferencialmente, a ação será proposta nela. Vejo aqui como um problema de competência absoluta. Se existir Vara Especializada, é um problema definidor de competência material, portanto, absoluta. Não é o caso de se propor ação preferencialmente nessa vara, mas necessariamente nessa Vara, onde houver.  

No caso do artigo 14, que trata do cadastro das ações coletivas, ele é importante. No entanto, exigir que a parte faça uma demonstração do interesse de agir, mediante essa consulta, eu acho que cerceia o acesso da justiça. Eu penso que, evidentemente, que as partes devem ter esses cuidados todos, mas essa exigência até porque já pode surgir aí alguns embaraços ou dificuldades com o processo ainda no início, e discussões sobre esse interesse de agir, não é bom. Esse papel pode ser feito posteriormente pelo magistrado, de ofício, com essa busca desse cadastro pelo réu ao contestar, e não essa exigência prévia que dificulta o acesso à justiça.  

O artigo 25, parágrafo 1º e 2º, pra mim é um claro retrocesso. A questão da coisa julgada em matéria coletiva, por insuficiência de prova, é da nossa tradição e é justamente algo diferenciador da coisa julgada no particular, em função de se tratar justamente de uma tutela coletiva, em caso de insuficiência de prova. O projeto, então, exige que uma nova ação só pode ser proposta se houver uma demonstração de que a parte não pode fazer uso daquela prova anteriormente. Ora, isso já existe no sistema e é uma situação típica de ação rescisória que envolve uma tutela coletiva. Por isso, não precisaria ser colocado no projeto. Você quebra, portanto, como a tradição do interesse da sociedade em tutela coletiva.  

Poderia se fazer algum tipo de exigência, não deixar uma porta muito aberta, por exemplo, abrir uma possibilidade de uma discussão de se agir de boa-fé ou de má fé. Não é bom dizer que só pode propor se não puder fazer uso daquela prova e fechar a questão como coisa julgada. 

Também acho que deveria ser modificado o parágrafo 4º, do artigo 25, que diz que a propositura de ações coletivas não interrompe a prescrição para as ações individuais. Desta forma, o projeto protege os interesses dos devedores coletivos e, portanto, não é do interesse da sociedade brasileira. Pode ser do interesse dos grandes grupos econômicos e do governo de plantão, mas não da sociedade brasileira. 

6 – Primeira Região em Revista – Quais mudanças relevantes o desembargador destacaria na proposta da nova lei? 

Os destaques da nova lei eu fiz anteriormente, em uma perspectiva crítica, e em outras respostas no conjunto dessa entrevista. No mais, são questões que já existem, e outras até inovadoras. Eu destacaria, por exemplo, como uma norma interessante, o artigo 22 do projeto, que trata de matéria probatória de forma inovadora. A norma fala em prova por amostragem ou estatística, em caráter subsidiário, para o fim de reprovar a prova direta ou substituí-la quando esta for impossível. O problema da prova impossível já existe no sistema jurídico também e envolver diante de um problema desse, a necessidade de uma prova substitutiva. Então, por exemplo, se estamos diante de uma ação de desapropriação de um bem, um terreno que tinha uma casa e ela por alguma razão foi destruída, como avaliar a casa? Não tem como fazer a vistoria de algo que já não subsiste, então, eu posso fazer uma prova pericial me socorrendo de arbitramento. Creio que esse dispositivo é muito importante em matéria ambiental, considerando as dificuldades nessas causas de um dano ambiental. 

7 – Primeira Região em Revista – O senhor acredita que a norma dará maior efetividade e celeridade na resolução dessas ações?   

Eu não acredito que nenhuma lei pode desempenhar o papel de um processo mais efetivo, de um processo mais na resolução dos conflitos. Pode ser que uma lei muito ruim possa merecer uma interpretação adequada, no sentido de se tornar o processo mais efetivo e mais célere, sem prejuízo das garantias processuais fundamentais. Isso depende mais dos juízes do que das leis. E, depende muito também, do problema orçamentário no serviço jurisdicional. Esse problema é mais estrutural, de gestão, e de mais de compromisso com juízes com hermenêutica mais adequada, tendo em conta a tutela coletiva dos direitos. Eu acredito nisso e não em lei, porque se a gente fosse depender de lei nesse sentido, as coisas seriam feitas por um simples golpe de mágica. Temos aqui uma lei e a lei resolve tudo. Não é assim. A nossa experiência revela nossas percepções do ponto de vista sociológico, de que não podemos acreditar que uma lei resolva os problemas e os dilemas da prestação jurisdicional. Esse é um problema mais de estrutura e de uma qualidade do serviço jurisdicional também prestado pelos magistrados que trabalham com essas questões. 

8 – Primeira Região em Revista – Quantas ações coletivas tramitam hoje na 1ª Região e quais os temas recorrentes?   

É difícil saber exatamente quantas ações coletivas nós temos em tramitação na 1ª região. Segundo o Setor de Estatística, temos alguns dados que podem ser considerados, como por exemplo, 12.128 mil ações civis públicas cível, 10.153 ações civis de improbidade. Esses dados podem não ser tão precisos, porque nós podemos ter também mandado de segurança coletivo, por exemplo, e não sei se estão aí como uma ação civil pública, assim como ação popular, mas acredito que sim. Somando esses dois tipos de ações temos em torno de mais de 22 mil processos, um número realmente desafiador.

  

Os temas mais recorrentes, até pela peculiaridade da nossa região, são ações de natureza ambiental e de interesses individuais homogêneos de todos os tipos, da área previdenciária, tributária e das mais diversas tipificações de direito material. 

9 – Primeira Região em Revista – Qual o maior desafio dessa nova legislação em sua avaliação? 

O desafio não é bem da legislação, o desafio é de que tem a carga da prestação do serviço jurisdicional com uma lei boa, ou não, de processo coletivo. Se a lei for boa, propositiva, colaborativa, o serviço jurisdicional poderá ser melhor prestado, claro. Mas, como eu disse antes, não é a lei que vai resolver o nosso problema, apesar de ser importantíssima para a sociedade como um todo. Considerando o que nós chamamos de princípio da adequação, na medida em que nós temos a necessidade de uma tutela coletiva, diferenciada, precisamos de um código adequado de processo coletivo. Há muito tempo que já se, já se percebeu, na modernidade que um único código de processos não é bom para resolver todos os problemas. Isso porque os tipos de direito material, variações e as necessidades de sua proteção exigem, pelo princípio da adequação, leis processuais distintas. E desse ponto da tutela jurisdicional coletiva, isso fica bem claro. Assim como precisamos de um código de processo penal, processo do trabalho, e processo eleitoral, por exemplo, também precisamos de um código de processo coletivo. Isso porque a prestação jurisdicional adequada, vai se dar na dimensão das necessidades do sistema processual adequado à proteção do direito material. 

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