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ENTREVISTA

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Após atuar 15 anos como juíza de enlace na Rede Internacional de Juízes da Convenção da Haia, a desembargadora federal Mônica Sifuentes se despede da função em maio de 2021.  

Por Ana Paula Almeida e Ivani Morais   | Ed. 119 abril 2021

Após atuar 15 anos como juíza de enlace na Rede Internacional de Juízes da Convenção da Haia, a desembargadora federal Mônica Sifuentes se despede da função em maio de 2021.  

 

Em entrevista à Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), a magistrada destacou as principais ações de um extenso trabalho realizado, que elevou o patamar das tratativas sobre demandas processuais civis relativas ao sequestro internacional de menores, foco de atuação da Convenção da Haia.   

 

Na função de juíza de enlace, Mônica Sifuentes participou do grupo de trabalho criado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que editou os primeiros comentários sobre a convenção para orientar os juízes brasileiros que iriam atuar com as demandas processuais de sequestro internacional de crianças. O trabalho resultou no desenvolvimento de um Manual, direcionado aos juízes, com a finalidade de esclarecer o funcionamento da Convenção.  

 

A Convenção da Haia, da qual o Brasil é signatário, estabelece um sistema de cooperação jurídica internacional de forma a garantir um procedimento célere. A função do juiz membro da Rede é a de ser um canal de comunicação entre os seus colegas, no âmbito interno, e entre estes e outros membros da rede, internacionalmente. A desembargadora, que teve seu trabalho reconhecido por integrantes da Convenção da Haia, enfatizou que todo o período como juíza de enlace foi extremamente valioso também para a sua formação profissional e crescimento pessoal. Confira a entrevista completa em que ela fala dessa experiência. 

1. Primeira Região em Revista: Como começou o envolvimento da senhora com essa temática, que culminou numa participação tão relevante e decisiva para o País na Conferência da Haia de Direito Internacional Privado? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes: Tudo começou, na verdade, com a minha atuação como juíza federal na Subseção Judiciária de Ilhéus, na Bahia. Ali eu tive que analisar casos criminais relativos à facilitação de adoção internacional mediante pagamento, o que, à época (1994), foi um escândalo na região. Descobriu-se a atuação de uma organização criminosa que intermediava a adoção de crianças brasileiras por estrangeiros, recebendo valores significativos por essa operação. Essa quadrilha atuava, inclusive, convencendo as pessoas mais pobres da região a entregarem os seus filhos para adoção, recebendo um valor em dinheiro. Era um comércio repugnante. Como juíza, eu atuei nesses casos. Tempos depois, em razão dessa atuação, o presidente do Conselho da Justiça Federal (CJF) indicou o meu nome para a ministra Ellen Gracie Northfleet, então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), para atuação no grupo de trabalho que ela estava organizando, para tratar do tema da subtração internacional de crianças.  

2. PRR: Como os comentários da Convenção da Haia elaborados pelo grupo de trabalho, o qual a senhora integrou, colaboraram para o direcionamento dos juízes que atuariam com demandas sobre sequestro internacional de crianças? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes:  Há 15 anos, quando começamos a estudar o tema, não havia sequer definição nos tribunais sobre a competência para julgar os casos da Convenção – se seria da Justiça Federal ou da Estadual. Quase ninguém conhecia a convenção e os juízes não sabiam como aplicar os seus termos. Não foi fácil elaborar esses comentários, pois a maior parte da literatura e de decisões importantes era estrangeira. Além dos comentários à Convenção, passamos a divulgá-la em seminários, cursos, sempre incentivando a participação dos juízes. Isso foi como uma bola de neve e o movimento foi crescendo. Hoje nós podemos dizer que os juízes brasileiros e os profissionais do Direito têm um conhecimento muito maior da convenção do que tinham antes. 

3. PRR: Essa articulação estabeleceu critérios para distribuição dos processos? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes:  Eu tenho muito orgulho de dizer que o nosso Tribunal foi o primeiro, na gestão do desembargador federal Mário César Ribeiro, a elaborar uma resolução que previa a concentração de competência nos casos de sequestro internacional de crianças. Isso foi um passo excelente, porque foi copiado pelos demais Tribunais Regionais Federais e permitiu que os juízes responsáveis tivessem oportunidade de se especializar nessa matéria, porque poderiam receber vários casos. Antes da especialização, esses processos eram distribuídos pelo critério comum, de modo que poderiam entrar na ordem normal dos trabalhos da Vara, sem que seguissem a tramitação célere que a Convenção exige. Com a especialização, ou melhor, com a concentração de competência para julgamento desses casos nas primeiras varas cíveis de cada Seção Judiciária, o juiz terá maiores condições de atuar nesses casos com mais presteza e eficiência. 

 

4. PRR: Quais os reflexos dessa especialização quanto à aplicação da Convenção da Haia? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes: Quanto mais casos o juiz analisar, mais ele vai desenvolvendo seus próprios estudos a respeito da convenção. E a convenção precisa que o seu processamento seja célere e rápido porque, obviamente, está se tratando de direito das crianças e, nessa situação, o objetivo é evitar o máximo de prejuízo possível para o menor e focar no melhor interesse dessa criança para que a indefinição se resolva logo.  

 

5. PRR: A Convenção da Haia estabelece um sistema de cooperação jurídica internacional de forma a garantir um procedimento célere. Todo esse trabalho desenvolvido ajudou na comunicação entre juízes que atuam nos casos de crianças vítimas de sequestro internacional? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes: Um dos grandes avanços que nós tivemos nessa área foi que, pela primeira vez, a Convenção da Haia desenvolveu um manual e um regulamento disciplinando as comunicações judiciais diretas entre juízes de países diferentes.  Isso permitiu que a comunicação entre os dois juízes a respeito do caso tivesse um valor legal, de prova. Esse foi um passo muito largo que se deu não só cumprimento da convenção da Haia, como também de outras Convenções da área, seção de direito privado como convenção de alimentos.  Por meio desse método de os juízes se falarem pessoalmente, inibe-se a necessidade da Carta Rogatória.  

 

6. PRR: É nesse contexto, então, que atua o juiz de enlace? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes: Sim, o juiz de enlace tem duas funções principais: 1) ser um canal de comunicação com a Conferência da Haia e fazer a ligação do escritório com os magistrados e 2) atuar para auxiliar a resolução dos casos concretos, especialmente através da facilitação das comunicações diretas entre o juiz brasileiro e o juiz estrangeiro que esteja com ação de guarda ou outra no seu local de origem.  

Nesse sentido, o Escritório Permanente passou a elaborar as regras de como se daria essa comunicação, documento de cuja redação eu participei como representante brasileira. E eu me orgulho muito, porque eu fui a representante brasileira nessa comissão que fez o primeiro modelo, que participou de todas as discussões do grupo de trabalho criado na Haia. Apenas oito países foram representados e eu fui a representante brasileira nesse grupo que fez o projeto das Comunicações Judiciais diretas, que hoje está aprovado pela  Convenção da Haia em uma das suas reuniões realizadas de cinco em cinco anos.  

7. PRR: E como foi atuar na função de juíza de enlace por tanto tempo? 

Desembargadora federal Mônica Sifuentes:  Foi um período de muito trabalho, mas que me enriqueceu muito.  Conheci colegas de outras partes do mundo, conheci outras realidades, outras culturas e pude, modestamente – como foi até, graças a Deus, ser reconhecida pelo secretário-geral –, contribuir com meu trabalho representando não só o Brasil, mas especialmente o Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Representando a magistratura federal lá fora. Isso é muito gratificante. 

8. PRR: Como a senhora avalia a mudança feita pelo Supremo Tribunal Federal para a indicação de um grupo para representar o País nas questões relativas a tráfico internacional de menores, integrado por magistrados das cinco regiões da Justiça Federal e com um coordenador, e não mais apenas por um magistrado, como fora quando a senhora começou?  

Desembargadora federal Mônica Sifuentes: Eu propus essa alteração ao Ministro Luis Fux e ele acolheu a sugestão com entusiasmo. Será importante ter um representante de cada Região da Justiça Federal e um coordenador, que fará a conexão direta com a Secretaria Permanente da Conferência. Todos os casos regionais serão, então, encaminhados a um colega específico, atuando naquela região, o que proporcionará uma resposta mais rápida aos pedidos de cooperação internacional. Na nossa Região, foi indicada a desembargadora federal Daniele Maranhão, que conhece muito a matéria, pois a julga em seus trabalhos na 3ª Seção deste Tribunal. 

9. PRR: Com base no papel do Judiciário e também na perspectiva de modernização da legislação brasileira, como a senhora prospectaria o futuro dessas questões e relações envolvendo esses conflitos gerados pelo tráfico internacional de menores, a partir da sua experiência e da trajetória trilhada ao longo desses 15 anos de trabalho como representante do Brasil na Haia?  

Desembargadora federal Mônica Sifuentes: Eu acredito que essas questões de subtração internacional de crianças, embora não sejam recorrentes, são muito complexas, porque se referem a problemas familiares, que geralmente os juízes federais não estão acostumados a julgar. Creio que isso vai exigir uma especialização constante dos nossos juízes, principalmente ao se prepararem para o futuro, porque com a globalização, os juízes federais, em especial, vão assumir a função de juízes internacionais. 

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