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Fundação Renova

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Tragédia de Mariana

Histórias de superação e perseverança marcam a luta pela sobrevivência dos atingidos pela lama tóxica enquanto os distritos atingidos são reconstruídos

Thainá Salviato | Ed. 94 Nov 2018
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Era início da tarde de domingo quando a população de um pequeno subdistrito mineiro do município de Mariana/MG teve a vida devastada e marcada pelo maior desastre ambiental já ocorrido no Brasil. No dia 5 de novembro, a tragédia de Mariana completou três anos, mas, embora o tempo tenha passado, o desastre ainda se faz presente na vida de quem perdeu tudo para um mar de lama.

A data ficou marcada pelo rompimento da Barragem de Fundão, administrada pela mineradora Samarco, que liberou uma onda gigante de rejeitos de mineração na região de Mariana, em Minas Gerais. Bento Rodrigues, com uma população de 600 pessoas, foi o primeiro vilarejo a ser atingido pela lama, onde tudo foi completamente destruído. A lama tóxica ganhou forma de rio, velocidade, até atingir um dos rios mais importantes de Minas Gerais e do Espírito Santo, o Rio Doce. Durante 16 dias, a lama continuou a se alastrar até, finalmente, desembocar no Atlântico, depois de percorrer mais de 600 km.

A tragédia deixou 19 mortos e mais de 1.200 desabrigados, extinguiu do mapa o subdistrito de Bento Rodrigues, deixou centenas de famílias sem nada e causou danos profundos ao meio ambiente. Os rejeitos impactaram diretamente os estados de Minas Gerais e do Espírito Santo e 39 municípios com mais de 1.200 pessoas desalojadas. A Bacia do Rio Doce foi poluída, a vegetação devastada e boa parte da fauna dizimada.

Tragédia anunciada – Propriedade da Samarco Minerações S/A, empresa controlada pela BHP Bilinton e pela Vale S/A, Fundão começou suas atividades em 2008. Localizada no Complexo Industrial de Germano, no município mineiro de Mariana, a barragem era a segunda maior da empresa, ficando atrás apenas da barragem de Germano/MG, e abrigava 55 milhões de metros cúbicos de rejeitos químicos. Com apenas dois anos de história, as atividades de depósito na estrutura já haviam sido paralisadas duas vezes. A primeira, em 2009, ocorreu em virtude da falha do sistema de drenagem interna que não foi capaz de escoar a passagem de material líquido pelo interior da barragem, originando um buraco de um metro de comprimento.

Já em 2010, constatou-se a passagem de rejeito arenoso por meio da galeria principal, comprometendo a estrutura da barragem, levando a outra interrupção das atividades, que foram retomadas pouco tempo depois.

Busca por justiça – O rompimento da Barragem de Fundão e toda a destruição que o desastre ocasionou resultaram também em uma enxurrada de ações judiciais, coletivas e individuais, ajuizadas em diversas comarcas mineiras e capixabas em busca de punição aos responsáveis e de reparação aos danos ambientais, sociais, econômicos, materiais e emocionais das pessoas atingidas.

O cenário levou o Poder Judiciário a adotar a metodologia de juízo único para tratar das demandas relativas ao chamado “Caso Samarco”. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou o entendimento de que a competência para processar e julgar as ações é da Justiça Federal, especificamente da 12ª Vara Federal Cível/Agrária da Seção Judiciária de Minas Gerais (SJMG), à exceção das ações individuais de indenização.

“Existem aproximadamente 60 ações civis públicas em tramitação aqui na Justiça Federal em Belo Horizonte, sendo que duas delas são consideradas como as ações principais, isto porque englobam, em maior ou menor medida, as demais. Via de regra, as ações foram ajuizadas contra a Samarco e também contra as sócias controladoras, Vale e BHP. Os processos estão com regular tramitação, sendo que recentemente fora realizada uma audiência solene com prolação de sentença homologatória equacionando vários temas, dentre eles o sistema de governança”, explica o juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, responsável pelos processos cíveis na 12ª Vara/SJMG.

O juiz federal se refere ao Termo de Ajuste de Conduta (TAC) homologado pela Justiça Federal no dia 8 de agosto de 2018 entre Samarco; Vale; BHP Billiton; União; Ministério Público Federal (MPF); Ministérios Públicos e Defensorias Públicas de Minas Gerais e do Espírito Santo; ICMBio; Ibama; Agência Nacional de Águas; Agência Nacional de Mineração; Fundação Nacional do Índio; Instituto Estadual de Florestas de Minas Gerais; Fundação Estadual de Meio Ambiente de Minas Gerais; Instituto Mineiro de Gestão das Águas; Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo; Agência Estadual de Recursos Hídricos do Espírito Santo e Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo.

O documento estabeleceu direitos e deveres de atuação das partes envolvidas em decisões e no mapeamento dos danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão.

O magistrado destaca que nos processos em tramitação na Justiça Federal mineira são discutidas as diretrizes e os marcos dos programas de indenização: “estão em execução 42 programas de reparação socioambientais e socioeconômicos. Apenas para se ter um dado importante, até o presente momento já foram desembolsados/investidos 4 bilhões e 500 milhões de reais nas ações de reparação”, esclarece.

Entre as duas ações principais tratadas pelo juízo único está a que cuida da reconstrução do distrito de Bento Rodrigues. De acordo com a Fundação Renova, instituição constituída para reparar os danos causados pelo rompimento da Barragem de Fundão, as obras de construção do novo Bento Rodrigues começaram em agosto de 2018. O canteiro de obras fica no caminho que liga Mariana ao vilarejo destruído, local escolhido pelos moradores, e a empresa informa que a porcentagem de 90% da área verde já foi removida e que está em andamento a fase de terraplanagem. Serão 250 construções, sendo dez prédios públicos e 240 moradias. O prazo previsto para a conclusão das obras é 2020.

O projeto urbanístico de Paracatu de Baixo, outro distrito atingido pela lama, foi aprovado em setembro de 2018. Assim como Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo deverá ser reconstruído de modo a preservar aspectos patrimoniais, urbanísticos e culturais do distrito original. O mesmo projeto deverá acontecer com o distrito de Gesteira.

Em informações concedidas à TV Record, a Fundação Renova afirma que já gastou mais de R$ 1 bilhão em indenizações e auxílios financeiros que serão descontados das indenizações finais. De acordo com a instituição, 10.777 famílias atingidas pela onda de lama de rejeitos de minérios receberam algum tipo de assistência. Uma análise apresentada pela Renova garante que a água do Rio Doce já se encontra em situação similar à do período anterior ao rompimento.

Recomeço – É um dano irreparável a morte de 19 pessoas e suas famílias na tragédia. Entretanto, para quem perdeu casa, carro, cidade, documentos e raízes, mas ainda vive, assim como para a natureza, a tentativa de se refazer é constante. Enquanto aguardam a reconstrução de suas casas, os milhares de atingidos batalham para resgatar a dignidade.

Hoje, em Mariana, funciona uma feira idealizada para auxiliar as famílias atingidas pelo rompimento da barragem a resgatarem sua fonte de renda. É o caso da Sandra Quintão, que era dona de restaurante em Bento Rodrigues e hoje vende salgados na feira. O estabelecimento que não existe mais era reconhecido pelas saborosas coxinhas e atraía fregueses de toda a região e, hoje, na feirinha de Mariana, continua fazendo sucesso. “Já tem quase três anos. A demanda está boa, e eu gostaria de agradecer a todos que vêm à Barraca da Sandra. Estou ansiosa pelo retorno, para ver a construção da nova Bento”, declarou Sandra em entrevista concedida à Record.

No município também funciona uma cooperativa montada pela Fundação Renova, onde mulheres que perderam tudo em 2015 produzem geleia de pimenta biquinho para refazer a vida. Essas ações buscam ajudar não apenas os atingidos pela lama, mas o próprio município de Mariana, que também sofre as consequências do desastre. “Mariana tinha em torno de 23% a 24% de desempregados, hoje nós estamos em torno de 16% da população desempregada, mas ainda é uma população com baixa autoestima porque as oportunidades ainda não surgem da forma que já foram um dia. Então, é um grande anseio nosso tentar buscar a diversificação da economia para que gere novamente empregos e as pessoas possam ter sua dignidade, que é o seu trabalho”, afirma Duarte Júnior, prefeito de Mariana, também em entrevista concedida à Record em reportagem sobre a atuação situação de Mariana exibida no programa Balanço Geral MG.

Entre os atingidos pela tragédia, há também aqueles que trabalham pela conscientização socioambiental. É o caso do produtor rural Waldir Pollack, que compartilha o que aprendeu em mais de 20 anos de trabalho com hortas caseiras sem uso de agrotóxicos. Hoje, ele oferece cursos de capacitação para cultivo de hortas caseiras em parceria com a Fundação Renova.

Assim como os sobreviventes buscam retomar as rédeas de suas vidas e, na medida do possível, continuar a construir suas histórias do ponto em que o rio de lama as interrompeu, a Justiça Federal busca contribuir para a reparação dos danos causados pelo maior desastre ambiental do Brasil. “Não há como negar que o desastre de Mariana qualifica-se como um caso único na história da Justiça Federal. É frequentemente chamado de "Lava Jato Ambiental do Brasil", dada a sua importância e magnitude na Justiça Federal. Reconhecidas as devidas dificuldades, é correto dizer que a Justiça Federal, sob a ótica institucional, tem desempenhado um papel de excelência no equacionamento do conflito, buscando uma atuação técnica e discreta, objetivando sempre a pacificação social do litígio”, afirma o juiz federal Mário de Paula Franco Júnior, que escreveu um artigo sobre a atuação da Justiça Federal no tratamento das ações judiciais ligadas ao Caso Samarco. 

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  Produtor rural ensina como trabalhar com hortas caseiras livres de agrotóxicos

Fundação Renova

De acordo com Mário de Paula, as duas ações civis públicas principais são conhecidas no ambiente forense como “ACP de 20 Bi” (ACP 69758-61.2015.4.01.3400) e “ACP de 155 Bi” (ACP 23863-07.2016.4.01.3800). “Desconhece-se a existência de ação em tramitação no País e que tenha sido atribuído a uma causa o valor de R$ 155.052.000.000,00. Apenas para ilustrar, o valor final da indenização acertada entre o governo dos Estados Unidos e a britânica British Petroleum, no caso de vazamento de petróleo no Golfo do México, em 2010, que durou 87 dias, foi de $ 20,8 bilhões (equivalente a R$ 70 bilhões), menos da metade postulada pelo MPF no caso da tragédia de Mariana”, destaca o juiz federal.

Reprodução: Leonardo Miranda/TV Globo

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Bento 2 Anos depois Leonardo Miranda TV

  Bento Rodrigues dois anos depois  

Reprodução: Raquel Freitas/G1

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  Rio Gualaxo um ano depois, ainda correndo cheio de lama  

Principais pontos do TAC

  • Extinção de ação civil pública de R$ 20 bilhões; manutenção de suspensão de ação no valor de R$ 155 bilhões

  • Implementação de comissões locais de atingidos ou reconhecimento de comissões já existentes (a composição e o funcionamento serão decididos pelos próprios moradores)

  • Contratação de assessorias técnicas para auxiliar as comissões de moradores

  • Formulação de propostas, críticas e sugestões sobre atuação do CIF, câmaras técnicas e da Renova poderão ser feitas pelas comissões locais

  • Adequação das formas de execução das ações a partir de acordo entre as comissões locais e a Renova​

  • Criação de até seis câmaras regionais, que poderão propor mudanças nos programas e projetos de reparação

  • Criação de três assentos para atingidos ou técnicos indicados no Comitê Interfederativo (CIF) e um para técnico indicado pela Defensoria Pública (a escolha dos atingidos se dará por articulação das câmaras regionais)

  • Instituição de câmaras técnicas pelo CIF (essas câmaras são órgãos técnico-consultivos que vão auxiliar o comitê e terão participação de dois atingidos)

  • Criação de duas cadeiras para atingidos no Conselho de Curadores da Fundação Renova, que ainda conta com um representante indicado pelo CIF e seis pelas empresas

  • Atuação de auditoria externa e independente para fiscalizar a fundação e programas de fiscalização

  • Custeio por parte da Renova das despesas do CIF, das câmaras técnicas, das comissões locais, das câmaras regionais e do fórum de observadores

  • Ratificação por parte das empresas das garantias oferecidas à Justiça para o cumprimento das obrigações de custeio e financiamento dos programas no valor de R$ 2,2 bilhões

  • Estabelecimento de eventual processo de repactuação dos programas, visando à reparação integral dos danos (o processo terá prazo de dois anos após homologação do acordo, podendo ser prorrogado por igual período)

Fonte: Justiça Federal e G1

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