Luma Bessa e Thainá Salviato | Ed. 93 Out 2018
Desembargadora federal Mônica Sifuentes e juiz federal Itagiba Catta Preta
Ascom/TRF1
Proforme
A edição mais recente do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), atualizada em junho de 2016, revela que o Brasil é o terceiro país no mundo com maior número de pessoas presas, perdendo apenas para os Estados Unidos e para a China. Em 2016, o Infopen contabilizou mais de 689 mil detentos nos presídios brasileiros. Esse número tem crescido consideravelmente a cada ano e gerado superlotação nas unidades prisionais.
Para a segurança da população e dos detentos, a Lei n° 11.671, de 8 de maio de 2008, determinou que serão recolhidos em penitenciárias federais aqueles que trazem ameaças à segurança pública ou a si mesmos. A finalidade dessas unidades é abrigar os presos de alta periculosidade que tendem a comprometer a ordem e a segurança nos seus estados de origem.
O sistema carcerário federal foi pensado em 2003 e efetivamente implantado em 2006, quando o Brasil passava por uma grave crise nas penitenciárias com registros de megarrebeliões. Até junho de 2016, segundo o Infopen, havia 437 presos distribuídos nas cinco penitenciárias federais brasileiras, localizadas em Brasília/DF, Campo Grande/MS, Catanduvas/PR, Mossoró/RN e Porto Velho/RO. Os crimes cometidos variam entre homicídio, tráfico de drogas, estelionato e falsificação. Normalmente, os presidiários encaminhados para as penitenciárias são líderes das principais facções criminosas do País e por isso ficam isolados.
Cada penitenciária tem capacidade para 208 detentos e apresenta o que há de mais moderno em sistema de vigilância em presídios, como equipamentos que identificam drogas e explosivos nas roupas dos visitantes, detectores de metais, câmeras escondidas, sensores de presença, dentre outras tecnologias. Cada preso é mantido em celas individuais, sendo monitorado 24 horas por dia por um circuito de câmeras em tempo real.
O Sistema Penitenciário Federal é gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão executivo que acompanha e controla a aplicação da Lei de Execução Penal (LEP) e das diretrizes da Política Penitenciária Nacional emanadas, principalmente, pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP). Além disso, o Departamento é o gestor do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), criado pela Lei Complementar n° 79, de 7 de janeiro de 1994, e regulamentado pelo Decreto n° 1.093, de 23 de março de 1994.
De acordo com o Depen, os principais objetivos do Sistema Penitenciário Federal são o isolamento das lideranças do crime organizado, o cumprimento rigoroso da Lei de Execução Penal e a custódia de presos condenados e provisórios sujeitos ao regime disciplinar diferenciado, líderes de organizações criminosas, presos pela prática reiterada de crimes violentos, internos responsáveis por ato de fuga ou grave indisciplina no sistema prisional de origem, presidiários de alta periculosidade e que possam comprometer a ordem e segurança públicas e réus colaboradores presos ou delatores premiados.
Incentivo à leitura – Dentro das unidades prisionais de segurança máxima a rotina dos detentos é rigorosa. Além de o banho de sol, os presos podem ter acesso à biblioteca do local, sendo esta uma obrigatoriedade da LEP, que prevê assistência educacional aos internos e dotação de cada estabelecimento prisional com uma biblioteca, para uso de todas as categorias de reclusos, provida de livros instrutivos, recreativos e didáticos.
O acervo é cuidadosamente analisado antes de ser disponibilizado aos detentos para que eles não tenham acesso a conteúdos que promovam a violência e a criminalidade. A área da inteligência das unidades prisionais federais faz uma análise prévia do teor das obras literárias, inclusive de conteúdos dissimulados que podem ser ordens criminosas colocadas dentro de livros.
A leitura possibilita ao preso remir parte da pena, e essa prática já é realidade em diversos presídios do Brasil. De acordo com a Recomendação nº 44 do CNJ, deve ser estimulada a remição pela leitura como forma de atividade complementar, especialmente para apenados aos quais não seja permitido o direito ao trabalho, à educação e à qualificação profissional.
Para isso, há a necessidade de elaboração de projeto, por parte da autoridade penitenciária estadual ou federal, visando à remição pela leitura, assegurando-se, dentre outros critérios, que a participação do detento seja voluntária e que exista um acervo de livros dentro da unidade penitenciária. Segundo a norma, o preso deve ter o prazo de 22 a 30 dias para a leitura de uma obra e apresentar ao fim do período uma resenha, sobre o assunto lido, que deverá ser avaliada pela comissão organizadora do projeto. Cada obra lida possibilita a remição de quatro dias de pena, com o limite de doze obras por ano, ou seja, no máximo 48 dias de remição por leitura a cada doze meses.
Essa Recomendação do CNJ para a adoção do programa de remição de pena por leitura considerou, dentre outros pontos, a experiência exitosa de projetos pioneiros no País em algumas unidades da Federação no sentido de assegurar à população segregada, em regime fechado, e que demonstra bom comportamento no cumprimento da pena a remição de pena pela leitura.
No projeto de remição de pena pela leitura/estudo, o acervo das bibliotecas prisionais possui obras específicas que são indicadas pela equipe técnica e que podem ser usadas para remição da pena. Após a leitura, o preso deve fazer uma resenha e, caso ela seja aprovada, é possível diminuir quatro dias da pena. Por ano, há a possibilidade de leitura de 12 livros por detento.
Recentemente, o TRF 1ª Região promoveu uma campanha para recolher doações de livros com o objetivo de ajudar a compor a Biblioteca da Penitenciária Federal de Brasília, inaugurada no dia 16 de outubro. A ação, denominada “Ler Liberta – Doe Conhecimento”, aconteceu no período de 24 de setembro a 15 de outubro, e foi proposta pela desembargadora federal Mônica Sifuentes, após uma visita à instituição prisional. “Quando nós chegamos para conhecer a biblioteca da penitenciária e eu vi aquelas estantes vazias, apenas com alguns volumes de legislação e jurisprudência, pensei que precisávamos fazer alguma coisa para ajudar e imediatamente falei com o diretor do foro da SJDF, Dr. Itagiba, para organizarmos uma campanha de arrecadação de livros. Ao chegarmos no Tribunal, manifestei essa ideia para a nossa bibliotecária chefe, que imediatamente encampou a ideia”, explicou a magistrada.
A Divisão de Gestão da Informação e Biblioteca (Digib) foi responsável pela organização da campanha no Tribunal, que arrecadou dois mil títulos, dos quais mil puderam ser destinados à 5ª Penitenciária de Segurança Máxima do Brasil. “Nós fizemos a seleção conforme orientação do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), retiramos os livros com capa dura e com conteúdo de violência e deixamos livros literários, de autoajuda, dentre outros. A SJDF teve grande participação também nessa campanha e entregou cerca de 200 livros”, explicou a diretora da Digib, Marília Mello.
A campanha de arrecadação de livros realizada na Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF) teve papel importante na doação empreendida pelo Tribunal. No período de 29 de agosto a 18 de outubro, a SJDF arrecadou 263 livros que foram incorporados às doações recolhidas no TRF1 para triagem e entrega à unidade prisional.
Na Seccional do DF, a iniciativa do projeto foi do diretor do foro, juiz federal Itagiba Catta Preta Neto, que acredita que "o saber é o melhor caminho para a reabilitação". A desembargadora federal Mônica Sifuentes compartilha desse pensamento e acredita na importância da leitura como ferramenta de reabilitação dos detentos: “é importante que todos nós nos conscientizemos de que o preso tem a necessidade de se educar. Ele está ali na instituição prisional para a sua reabilitação e a leitura é sempre transformadora. Nós não garantimos resultado, não sabemos como esse conteúdo vai ser absorvido e utilizado, mas nós estamos dando a oportunidade para aquela pessoa ter acesso à leitura, ampliar seus horizontes e conhecer o mundo de uma outra forma. Eu acredito que a leitura regenera e é comprovado que a leitura traz benefícios de ordem psicológica, espiritual, além de aperfeiçoamento e engrandecimento pessoal, aspectos importantes não só para os presos, mas para todos nós”, afirma.
Apesar de todo o trabalho desenvolvido pelo Tribunal, os livros ainda precisarão passar por análise da equipe do presídio, conforme explica a assistente social e chefe substituta da Divisão de Reabilitação da Penitenciária Federal de Brasília, Iracema Marinho. “Vamos fazer uma triagem dos livros, todos passam pela segurança. Vamos olhar cada folha para ver se tem algum tema inadequado e só depois passamos para os presos. Em nome da gestão da Penitenciária Federal em Brasília gostaria de agradecer aos servidores do TRF pelas doações entregues à Unidade. Todos os exemplares contribuirão para ampliar nosso acervo e representam a confiança da sociedade no trabalho realizado pelo Sistema Penitenciário Federal (SPF). Agradecemos, em especial, aos envolvidos na “Campanha Ler Liberta – Doe Conhecimento” que emprestaram seu tempo e cuidado ao selecionar os livros de acordo com os normativos do SPF”, enfatizou Iracema.
Quanto aos outros mil livros que não puderam ser destinados ao acervo do presídio, esses exemplares serão direcionados a outro projeto do Tribunal que incentiva a leitura, o “Liberte um livro”.
O diretor da Penitenciária Federal de Brasília, Cristiano Torquato, destaca que o sistema penitenciário federal tem uma visão holística da realidade prisional. “Nestes 12 anos de funcionamento, as prisões federais não se focaram apenas nas questões de segurança, que são suas atribuições primárias, mas se focam também no cumprimento das leis que regem a execução penal no Brasil e, também, nos tratados internacionais que envolvam direitos de pessoas custodiadas. Nesse sentido, as assistências prestadas aos presos são preservadas com muito cuidado, assistência à saúde, educacional, jurídica, material”, ressalta.
Torquato revela que uma estatística produzida pela Penitenciária Federal de Porto Velho indicou que os detentos mantêm o máximo de livros possível dentro das celas, que é de até cinco por semana. O mapeamento mostrou que os presos chegam a ter 22,6 livros por mês nas celas, quantidade muito maior que a média de leitura do brasileiro, que é de dois a quatro livros por ano.
“O próprio rigor do cárcere federal torna possível, como uma forma de ocupação saudável do tempo, o hábito da leitura. Nesse contexto, temos este programa muito interessante que é o de remição pela leitura que, um pouco diferente da leitura recreativa, é indicado pela equipe técnica com leituras recomendadas para reflexão. O presidiário que, após ler um desses livros, fizer uma resenha e tiver essa resenha aprovada poderá remir quatro dias da pena e poderá ter até 12 livros apreciados em um ano, ou seja, até 48 dias de redução de pena em um ano. É um projeto visionário que visa à ocupação saudável do tempo e que contribui com o desencarceramento. Desde que foi implantado este projeto, nós temos mais de nove mil resenhas aprovadas que representam 40 mil dias remidos de pessoas presas, e isso seria um custo enorme para o Estado. O projeto, além de trazer economia para os cofres públicos, desenvolve um hábito de leitura e traz conhecimento para o preso”, ressalta Cristiano Torquato.
O diretor da Penitenciaria Federal de Brasília também destaca a importância de ações como a empreendida pelo TRF1 para o sucesso do projeto. “A participação do Tribunal na formação de uma biblioteca do sistema penitenciário federal é muito importante e saudável, porque quando se implanta uma unidade desse porte são dezenas de processos licitatórios e, embora haja um planejamento de aquisição de livros para composição das bibliotecas, isso leva tempo. Essa ação nos dá ânimo e mais fôlego para composição deste acervo até que a gente consiga atingir o patamar das demais unidades que possuem bibliotecas com cerca de sete mil títulos. Recebemos a visita dos desembargadores e, notadamente, a desembargadora Mônica Sifuentes conheceu nossa Biblioteca e demonstrou muita sensibilidade em reconhecer que seria importante a participação do TRF1 neste momento de implantação da penitenciária”, afirma Torquato.
Atualmente, a Penitenciária Federal tem, em sua unidade, três presidiários integrantes de facções criminosas que passam 22h do dia dentro da cela e que têm a opção de usar esse tempo para ler.
A remição de pena pela leitura também acontece em unidades prisionais estaduais, como é o caso dos estados de São Paulo, Tocantins, Goiás, Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais, além de o Distrito Federal. Em declaração ao site de notícias Metrópoles, a juíza titular da Vara de Execuções Penais (VEP) do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), Leila Cury, destacou a importância da iniciativa. Segundo a magistrada, “a leitura é, sem sombra de dúvidas, uma das formas de libertação silenciosa no íntimo do ser humano. É fonte de saber, de transformação, de enriquecimento e, por via de consequência, pode e deve ser implementada como mais um dos critérios de remição de pena, visando, especialmente, à ressocialização ao fim da execução penal”.
Outras possibilidades – A remição de pena, prevista na Lei nº 7.210/84 de Execução Penal (LEP), está relacionada ao direito assegurado na Constituição Federal de individualização da pena. Dessa forma, as penas devem ser justas, proporcionais e particularizadas, levando-se em conta a aptidão à ressocialização demonstrada pelo apenado por meio do estudo ou do trabalho.
As possibilidades de remição de pena foram ampliadas pela Lei nº 12.433, de 2011, que alterou a redação dos artigos 126, 127 e 128 da Lei de Execução Penal e passou a permitir que, além de o trabalho, o estudo contribua para a diminuição da pena.
Remição por trabalho: A remição por meio do trabalho está prevista na Lei de Execução Penal, garantindo um dia de pena a menos a cada três dias de trabalho. A remição pelo trabalho é um direito de quem cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto. Em maio de 2015, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou o entendimento de que o trabalho externo pode ser contado para remir a pena de condenados à prisão, e não apenas o trabalho exercido dentro do ambiente carcerário.
Remição por estudo: De acordo com a legislação em vigor, o presidiário que cumpre a pena em regime fechado ou semiaberto pode remir um dia de pena a cada 12 horas de frequência escolar caracterizada por atividade de ensino fundamental, médio, inclusive profissionalizante, superior, ou ainda de requalificação profissional. Nos termos da Recomendação nº 44 do CNJ, para fins de remição por estudo deve ser considerado o número de horas correspondente à efetiva participação do detento nas atividades educacionais, independentemente de aproveitamento, exceto quando o condenado for autorizado a estudar fora do estabelecimento penal. Nesse caso, o preso tem que comprovar, mensalmente, por meio de autoridade educacional competente, tanto a frequência quanto o aproveitamento escolar.
As atividades de estudo podem ser desenvolvidas de forma presencial ou pelo ensino a distância (EAD), modalidade que já é realidade em alguns presídios do País, desde que certificada pelas autoridades educacionais competentes. A norma do CNJ possibilita também a remição aos presos que estudam sozinhos e, mesmo assim, conseguem obter certificados de conclusão de ensino fundamental e médio com a aprovação no Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), respectivamente.*
*Com informações do CNJ
Cristiano Torquato, diretor da Penitenciaria Federal de Brasília
Reprodução/G1
Penitenciária Federal de Brasília
Livros arrecadados
Ascom/TRF1
No dia 8 de agosto, a corregedora regional da 1ª Região, desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, e os desembargadores federais Néviton Guedes e Mônica Sifuentes visitaram a Penitenciária Federal de Brasília. Foi durante essa visita que surgiu a ideia de se realizar a campanha de arrecadação de livros para compor o acervo da unidade prisional.
Também integram o grupo de autoridades que visitou a instituição prisional os juízes federais convocados da Corregedoria Regional (Coger) Dayse Starling e Bruno Cesar Bandeira Apolinário; o diretor do foro da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), juiz federal Itagiba Catta Preta Neto; o juiz federal Saulo Casali e o futuro corregedor da 5ª Penitenciária Federal, juiz federal Francisco Renato Codevila. Os magistrados foram recebidos pelo diretor da penitenciária, Cristiano Torquato.
A regra é clara
Mesmo com o trabalho minucioso do Depen para a seleção das obras que são disponibilizadas para os internos do Sistema Penitenciário Federal, há presos que buscam acesso a obras específicas, o que nem sempre é possível.
Foi o caso de um detento da Penitenciária Federal de Porto Velho que pleiteou, na Justiça, o direito de ler um livro cujo conteúdo corresponde à história de vida dele.
O detento, mais conhecido como “Nem da Rocinha”, era líder de uma grande organização criminosa no Rio de Janeiro e deu entrevista, a um britânico, sobre sua história.
Depois de a 3ª Vara da Seção Judiciária de Rondônia ter negado o pedido, o condenado recorreu ao TRF1 alegando que a Lei de Execução Penal, n° 7.210 garante ao preso o contato com o mundo exterior por meios que não comprometam a moral e os bons costumes. O presidiário sustentou, também, que os episódios violentos descritos no livro dizem respeito à vida dele e que seria um absurdo impedir o acesso ao livro produzido com a sua colaboração.
Ao analisar o caso, a 3ª Turma do TRF1 rejeitou os argumentos do requerente e destacou que a lei atribui ao administrador do presídio a prerrogativa de instituir regras disciplinares visando reduzir os vínculos do detento com o passado da criminalidade. O Colegiado enfatizou que há portaria proibindo o acesso de condenados a livros com temas relacionados à violência, exatamente do que se trata a obra em questão.
O desembargador federal Ney Bello, relator do caso no TRF1, acrescentou que o livro está em posição contrária ao processo de educação e reinserção do preso, pois na história se dissimula que o reeducando liderava uma grande organização criminosa que praticava o tráfico de drogas por meio de ameaças, agressões e mortes e que, na narração, o detento é romanceado como se protagonizasse uma aventura.