top of page
TRF_2696.jpg

ENTREVISTA

Juiz federal
Márcio Barbosa Maia
lança livro sobre direitos humanos e concessão
de benefícios a pessoas com deficiência no Brasil 

Ascom

Por Rafael Braga/TS | Ed. 92 Set 2018

No dia 10 de agosto, o juiz federal Márcio Barbosa Maia lançou a terceira edição de seu livro “Os benefícios por incapacidade e das pessoas com deficiência em juízo e os direitos humanos em ação”, durante o evento “Direito, Versos e Violões, realizado na sede do TRF1, em Brasília/DF.

De acordo com o juiz federal Márcio Maia, seu livro tem o objetivo de se refletir sobre as inovações na legislação brasileira, especialmente no que diz respeito à Convenção Internacional sobre Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência. Ele ressalta que “o público-alvo nesses casos é oriundo das camadas sociais mais vulneráveis do ponto de vista social e econômico” e que o Brasil tem milhões de pessoas com deficiência impedidas de trabalhar, o que ratifica a importância de se debater a matéria.

Em entrevista à Primeira Região em Revista, o magistrado fala mais sobre a obra, o que motivou a escolha do tema e as dificuldades que a legislação brasileira ainda apresenta nessa matéria.

Confira!

O senhor escreveu sobre os benefícios por incapacidade, detalhando a questão dos benefícios voltados às pessoas com deficiência. Esse livro é fruto da sua experiência com o tema nas varas ou de alguma experiência acadêmica?

O leitor, ao pegar o livro, verá logo na capa alguns barcos. Na verdade, um barco em especial chamado “A tribuna – a Justiça vem a bordo”. Ele foi o meu batizado na Justiça Federal onde, em Macapá, capital do Amapá, descíamos 200 km, rio abaixo, pelo Rio Amazonas até a foz em um local chamado Bailique, que em tupi-guarani significa baile das ilhas. Lá eu me considero batizado como juiz federal porque eu me deparei com as causas humanitárias de ribeirinhos com deficiência. O livro fala de assistência social quando trata dos benefícios das pessoas com deficiência e também de previdência social quando fala dos benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, aposentadoria da pessoa com deficiência e auxílio-acidente. Então, o livro tem ênfase humanitária, e o ponto que eu quero destacar é a redução do conceito de direitos humanos no Brasil. Toda vez que se fala de direitos humanos se reduz o tema a direitos dos acusados, direitos dos réus em matéria penal. Infelizmente, isso tem uma conotação ideológica, porquanto não se pode editar medida provisória versando sobre conteúdo do direito penal porque há unanimidade de que é direito humano, mas se pode baixar medida provisória, na calada da noite, como por exemplo as MPs 664 e 665, que tratam dos benefícios de pensão por morte e do seguro-desemprego. As Mps 664 e 665 foram editadas no dia 30 de dezembro de 2014 alterando muitas regras nesses temas, sem discussão, porque ninguém classifica esses temas como direitos humanos, e então nós temos leis que são convertidas sem qualquer debate.

O senhor acredita que muitos dos processos que chegam à Justiça Federal, e não são poucos, relacionados a esse tema, são fruto também dessa incongruência na legislação e não meramente falta de provas e de direito das partes aos benefícios?

Eu creio que sim. Todas as legislações em direito das pessoas com deficiência foram equalizadas com a primeira convenção internacional com equivalência de emenda que foi promulgada pelo Decreto Presidencial nº 6.949/2009. Hoje a legislação está mais adaptada a essa convenção, mas a mentalidade dos intérpretes, especialmente dos profissionais do Poder Judiciário, ainda não está adequada a essas mudanças radicais que ocorreram com essa convenção.

Em diversos capítulos do livro o senhor faz justamente uma comparação entre o que está na convenção e o que está na nossa legislação. Ainda não há um acompanhamento sistemático dessas questões?

Não há. No Decreto nº 3.048/99, que regulamenta a previdência social, muitos pontos estão em dissonância com a convenção. Eu costumo dizer que há uma inconvencionalidade difusa ainda no sistema no sentido de que várias leis ainda não se adaptaram aos termos da convenção que tem equivalência de emenda constitucional, e isso as torna inconvencionais e, em consequência, inconstitucionais.

Nos próximos meses ou anos, nós não fugiremos de um debate previdenciário no País. O senhor acha que esta é a oportunidade de rever essa matéria para atingir melhor o tema da assistência, principalmente da pessoa com deficiência?

Infelizmente, grandes transformações foram promovidas em torno do conteúdo deste livro, em que eu também falo dos benefícios por incapacidade mediante medidas provisórias, como a mais recente 739, a sua reedição pela 767, e as microrreformas por meio de medidas provisórias e convenções, acredito eu, fizeram apenas o grosso. Acredito que com o novo presidente eleito, este ano, o tema deve sofrer um grande debate.

Especificamente em relação ao tema da prestação continuada à pessoa com deficiência, assunto sobre o qual o senhor dedica um capítulo inteiro, o que chega às varas federais mostra que ainda há muito a se reconhecer?

O balanço ainda é um tanto quanto negativo porque, infelizmente, o conceito de vulnerabilidade econômico-social ainda é confundido com renda per capita, sendo que o STF já há muito entende que a renda per capita é apenas um ponto de partida. A gente sabe que esse critério aritmético, muitas vezes, não reflete a realidade. Por incrível que pareça, já teve mudança na Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS); já teve reclamação no Supremo, onde já se deixou claro que o juiz tem que aferir a renda per capita com as demais questões de ordem econômico-social em que está inserido o cidadão, mas ainda há uma resistência em se aplicar plenamente aquilo que o constituinte originário estabeleceu, porque esses benefícios têm previsão na Constituição.

O senhor também fala sobre outros benefícios, como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente e também interpretações relacionadas às aposentadorias especiais das pessoas com deficiência. É um trabalho inovador escrever especificamente sobre essa questão. Por que o senhor escolheu essa temática?

Esse tema realmente é complexo, ainda está em aberto, e eu trago apenas algumas luzes para a correta aferição da condição de deficiência, os graus que a lei coloca (leve, médio e grave) para fins de aposentadoria especial da pessoa com deficiência. Eu entendo que a legislação está dessintonizada da convenção internacional, mas eu lanço ainda algumas luzes iniciais para debate, e esta terceira edição do livro, com certeza, trará maior aprofundamento sobre a questão.

O livro tem ênfase humanitária, e o ponto que eu quero destacar é a redução do conceito de direitos humanos no Brasil. Toda vez que se fala de direitos humanos se reduz o tema a direitos dos acusados, direitos dos réus, em matéria penal

"

Dr. Rafael Leite Paulo entrevista.jpg
bottom of page