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ENTREVISTA
Sem formação acadêmica na área de tecnologia, mas em contato direto com computadores desde a infância, o juiz federal
Rafael Leite Paulo
fala como reduziu significativamente o acervo da 5ª Vara Federal do Amazonas, especializada em execuções fiscais, com o desenvolvimento de sistemas de automatização de rotinas premiado no Concurso de Robotização no Poder Judiciário
Por Rafael Braga/TS | Ed. 91 Ago 2018
O juiz federal Rafael Leite Paulo, ao assumir a 5ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas, especializada em execuções fiscais, identificou a necessidade de aprimorar os processos de trabalho para conseguir dar vazão ao elevado acervo de processos em tramitação na unidade.
Com recursos humanos e financeiros limitados, o magistrado decidiu pesquisar e desenvolver, por sua conta e com o auxílio da equipe de seu gabinete, sistemas que, a partir de rotinas de inteligência artificial, fossem capazes de automatizar determinadas rotinas praticadas na vara, diariamente, para aumentar a capacidade de trabalho dos servidores e conferir mais celeridade à prestação jurisdicional.
Em entrevista à Primeira Região em Revista, Rafael Leite Paulo explica como desenvolveu o sistema de automação de sentenças de prescrição intercorrentes, de automação de rotinas Bacen-Jud e outras aplicações para automação de rotinas de vara e como essas ferramentas contribuíram, sem gerar nenhum gasto excedente, para a redução do acervo da 5ª Vara de 34 mil para menos de 11 mil processos.
O juiz Rafael Paulo é mestre em Direito pela Universidade de Harvard, Estados Unidos, e foi um dos premiados no concurso Robotização no Poder Judiciário, promovido pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), pela automação de procedimentos na sua vara especializada em execução fiscal, tendo sido o sistema de automação de sentenças de prescrição intercorrente um dos casos de sucesso escolhidos para o Encontro Nacional de Soluções de Tecnologia da Informação da Justiça Federal (ENASTIC.JF).
Como era a realidade da Seção Judiciária do Amazonas antes da implantação das medidas de automação na área de execução fiscal?
A realidade da 5ª Vara não é diferente das muitas varas de execução fiscal país afora. A gente tem um grande número de feitos para julgamento, uma dificuldade enorme de processá-los, e precisamos de medidas inovativas para dar conta do volume de processos. Foi nesse contexto e desafiado por essa jurisdição com suas peculiaridades que eu resolvi adotar algumas medidas de inovação, arregacei as mangas e comecei a programar e a desenvolver alguns pequenos sistemas próprios para a minha vara poder aumentar a vazão e a efetividade da jurisdição.
Não apenas o processamento desse grande volume de ações foi repensado mas, também, a gestão, a forma de trabalhar, tanto do senhor, como magistrado, até os servidores?
Exato. O problema que as varas de execução fiscal enfrentam é que elas recebem um volume muito grande de processos. Estima-se que hoje mais de 1/3 dos mais de 100 milhões de processos que se acumulam no Brasil sejam de execução fiscal. Nesse contexto, vai muito do juiz que está trabalhando com isso identificar rotinas pelas quais o magistrado consiga dar efetividade à sua jurisdição. Essas ações também contam com advogados, com órgãos que atuam na Justiça para fazer uma distribuição mais equânime da atuação, e assim você passa a contar com a colaboração de todos, distribuindo responsabilidades e conseguindo alcançar uma eficácia maior. Então, a automação foi um componente nessas diversas medidas de melhoria do procedimento. Com a colaboração dos diversos órgãos, a compreensão deles das limitações que uma vara com grande volume tem, foi possível ir sistematicamente diminuindo o acervo.
A automação das rotinas de trabalho proporcionou ganho de tempo e, também, melhoria na própria qualidade da sentença. Isso influenciou positivamente na resposta da prestação jurisdicional?
Com certeza. Uma das coisas que nós reconhecemos é que automatizando aquilo que é repetitivo, que não demanda tanto do servidor a utilização de suas capacidades intelectuais, a gente acaba com mais tempo para se dedicar às questões complexas. Então, a gente começa a eliminar o tempo perdido com pequenos sistemas, que não são de grande complexidade, e a automatizar os procedimentos e se foca na utilização da capacidade intelectual do servidor e do próprio magistrado nas sentenças mais complexas. A gente conseguiu aplicar o sistema automatizado de forma ampla para atender a uma gama bem grande de procedimentos, tanto no processamento administrativo quanto na jurisdição.
Temos um sistema que nos auxilia no processamento das sentenças de prescrição intercorrente.
É possível descrever como é esse sistema?
Geralmente causa um pouco de medo quando se fala em inteligência artificial, mas na nossa experiência específica foi mais com essa ideia de aumentar a capacidade do servidor que está atuando lá. Então, se ele podia atuar em 10 processos, a ideia é que com sistemas de automação ele consiga trabalhar em 50, 100 processos com eficácia. Especificamente em sentenças de prescrição intercorrente, o sistema funciona como uma ferramenta de automação que vai guiando o servidor. A ferramenta não é dos algoritmos mais modernos, mas o sistema auxilia na elaboração das sentenças. É como se o magistrado estivesse ao lado do servidor a cada etapa. O sistema vai auxiliando na verificação e no fim entrega uma sentença individualizada para cada processo. Apesar de ser um sistema, este não está só repetindo automaticamente. Com a capacidade do servidor de olhar e analisar, o sistema se multiplica para vários processos.
Então, é um sistema que usa o trabalho do servidor, aumenta o potencial dele e produz muito mais sentenças. Só com a ferramenta de sentenciamento de prescrição intercorrente nós conseguimos dar conta de 1.500 processos no ano passado, e a perspectiva é atender a um número parecido este ano.
Quais recursos utilizados pelo senhor e equipe para desenvolvimento e implementação dos sistemas?
Os sistemas automatizados para rotinas de vara foram desenvolvidos utilizando a linguagem Auto-Hotkey, mesma solução empregada para o sistema de automação de sentenças de prescrição intercorrente. Por sua vez, o sistema de automação de minutas do Bacen-Jud foi todo elaborado na linguagem de programação Python, em uma proporção bem menor foram também utilizados scripts de automação de browser, códigos em javascript, php e SQL.
Não há equipe de desenvolvedores propriamente dita, os sistemas são desenvolvidos por mim, testados e aprimorados com o feedback da equipe da 5ª Vara Federal do Amazonas sob a coordenação da diretora Janiamar Fernandes de Sousa, que assume o papel de gestora de projetos, acompanhando a implementação, difundido o uso dos sistemas automatizados e identificando as melhores rotinas para serem objeto de novos sistemas de automação.
Desde 2015 essas ações vêm sendo implementadas na 5ª Vara da SJAM. Qual balanço é possível se fazer hoje? Existe um número de sentenças proferidas a partir dessa automação?
O número de processos afetados desde 2015, só em processos que aguardavam expedição de ordem pelo sistema Bacen-Jud, foi de mais de 10 mil. Mais de 10 mil ordens expedidas alcançando bem mais de 15 mil pessoas, físicas e jurídicas.
O total de ordens de bloqueio, só no último lote de aproximadamente duas mil, foi de mais de R$ 8 bilhões. No que diz respeito especificamente ao balanço da vara, em 2015 era uma vara com mais de 34 mil processos na tramitação ajustada.
Hoje, a unidade está caminhando para dez mil, estamos na casa de 11 mil processos. Isso com um projeto de três anos de trabalho em que a automação é a parte fundamental, a realização de Bacen-Jud traz uma noção muito forte de quais são os processos que têm viabilidade ou não e que permite maior fluidez; e isso nunca substituindo as pessoas, mas aumentando o potencial delas com essas medidas tecnológicas que foram desenvolvidas localmente. Lembrando que somos uma equipe restrita, basicamente eu vou desenvolvendo e meus servidores e a diretora de secretaria acompanhando a implementação dessas rotinas, e foi possível surtir um impacto bem grande. Daí a relevância desse tema ser uma parte central das discussões que a gente tem no mundo jurídico hoje e um assunto que o Judiciário não pode deixar de debater. Nós precisamos transformar isso em medidas humanizadas que tragam eficácia para a jurisdição.