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ENTREVISTA

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OBRA COLETIVA

Assessoria de Comunicação – TRF1 | Ed. 107 Mar 2020

Após dois anos à frente do maior Tribunal Regional Federal do País em termos de abrangência territorial, o desembargador federal Carlos Eduardo Moreira Alves chega ao fim de seu mandato como presidente da Corte.

Convidado pela Primeira Região em Revista em parceria com a Revista Jusitça da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), Carlos Moreira Alves faz um balanço de sua gestão, falando sobre a sua contribuição para a Justiça Federal da 1ª Região como dirigente do TRF1 durante o biênio 2018-2020.

Transformação digital, desenvolvimento sustentável, acessibilidade, cumprimento de metas, restrições orçamentárias, nova sede e criação da Justiça Federal da 6ª Região são alguns dos temas abordados pelo presidente, que salienta a importância da coletividade e descreve magistrados e servidores que atuam na Primeira Região como “ilhas de excelência”.

Moreira fala, ainda, sobre a sua relação com os diretores de foro, os resultados satisfatórios apresentados pela JF1 no índice de sustentabilidade e na execução de Metas Nacionais Estratégicas e a adoção de valores como compromisso e criatividade para garantir uma prestação jurisdicional cada vez mais rápida e eficaz, sem deixar de lado a qualidade e sempre pensando nos cidadãos. Confira!   

1. Durante a sua gestão, os projetos de Transformação Digital e a implantação do sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) foram prioridades, inclusive previstas na carteira de iniciativas estratégicas do TRF1. De que forma tais iniciativas beneficiaram o Tribunal, as Seções Judiciárias e o jurisdicionado?

As pessoas de uma geração como a minha, que nasceram sob o signo de uma era analógica e utilização de máquinas de escrever, passando a conviver com a crescente tecnologia digital dos computadores tem bastante nítida a diferença e a rapidez dos avanços promovidos com o uso da Tecnologia da Informação. Cada vez que se desenvolve essa tecnologia, mais rápidos são esses avanços, mostrando o curso de um caminho sem volta no horizonte pessoal e profissional.

Os benefícios estão exatamente nessa dinâmica do desenvolvimento e dos resultados que isso proporciona.

 

"Há algum tempo era inimaginável o desenvolvimento de relações por meio do uso de videoconferências e hoje elas são uma realidade bastante presente. Isso representa economia de tempo, de recursos materiais e de recursos humanos."

Evidentemente, há dificuldades a serem transpostas, mas a mudança traz muitos bons frutos sob todas as perspectivas, sejam elas de produtividade, de desempenho, de modo que o tempo e os recursos materiais e humanos economizados em decorrência dos avanços dos mecanismos tecnológicos possam otimizar outras atividades e resultar naquilo que é o objetivo maior do nosso trabalho, de feição exclusivamente artesanal, ainda que os números exijam linha de produção em massa: uma prestação jurisdicional de boa qualidade, mais rápida e eficaz para as pessoas que a procuram e dela necessitam, voltada à realização da paz social. 

  

2. No início do biênio, o senhor afirmou que a sustentabilidade é uma questão de perspectiva de vida. Nesse contexto, entre 2018 e 2019, o TRF1 aumentou a pontuação no Índice de Acompanhamento da Sustentabilidade na Administração (IASA), ficando à frente de vários órgãos da Administração Pública. Esses resultados podem ser atribuídos à necessidade de uma nova postura do gestor diante do apelo ambiental atual?

Em minha ótica de visão, o conceito de sustentabilidade projeta a ideia de uniformidade em um formato de crescente positiva. Falar em desenvolvimento sustentável é projetar uma linha reta com suporte crescente, sem muitos altos e baixos. Essa ideia, a meu ver, se projeta em todos os ambientes de atividade humana, principalmente nas questões ligadas ao meio ambiente, porque, se formos pensar, tudo aquilo de que o ser humano precisa e consome provém da natureza; nada foge a essa regra. Por isso, temos que pensar na natureza com a perspectiva de algo finito, que tem de ser, como todas as coisas na vida, bem trabalhadas, preservadas e pensadas, para que as gerações futuras possam experimentar tudo aquilo que ela disponibiliza. Temos de voltar o pensamento e a consciência, sempre, no sentido de que o ser humano individualmente é finito, mas as gerações são renováveis e, obviamente, necessitam e necessitarão de um meio ambiente equilibrado e preservado. 

  

3. No que diz respeito à acessibilidade, qual a relevância dessa temática e como ela contribui para a prestação jurisdicional? 

Se pensarmos na perspectiva da Tecnologia da Informação, da velocidade que isso permite, e se pensarmos na questão ambiental e em tudo aquilo que ela nos proporciona, eu acredito que essa relevância temática é inexcedível. Porque as vantagens que nos proporcionam a Tecnologia da Informação e a utilização racional dos recursos ambientais revertem em proveito de todos e sob todos os seus aspectos: maior rapidez e eficiência, menor desperdício, enfim, maior acesso das pessoas a um mundo que, não tendo de ser total e necessariamente físico, será muito mais dinâmico. 
  

4. Em relação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em seus discursos, o senhor sempre observou a dificuldade do TRF1 no cumprimento das metas estabelecidas em função de o acervo existente ser desproporcional à quantidade de desembargadores no Tribunal. Os dados apresentados na última reunião do Comitê Gestor de Estratégia Regional da Justiça Federal da 1ª Região, em novembro de 2019, demonstraram uma evolução contínua no cumprimento de tais metas quando comparados com anos anteriores, de 2016 a 2019. A que se deve esse desempenho diante da escassez orçamentária e de recursos humanos? 

Sempre considerei e assinalei que toda meta tem de ser considerada como um desafio. Uma meta que não seja desafiadora não será, obviamente, uma meta, pois algo, para ser tratado como tal, como um objetivo a ser perseguido, não pode ser demasiadamente ousado a ponto de vir a representar uma impossibilidade ou uma quase impossibilidade, nem tímido a ponto de que não represente sequer um desafio, pois o que nos instiga a progredir e ampliar nossos resultados são os desafios.

No Tribunal, somos 27 (vinte e sete) membros, três dos quais, presidente, vice-presidente e corregedor regional, atuando minimamente em funções jurisdicionais. E a Justiça Federal da 1ª Região, dentro de seu gigantismo continental, abrangente de cerca de 80% do território nacional e 14 unidades da federação, de quatro das cinco regiões geográficas do País, com as mais distintas realidades inclusive culturais, por certo tem dificuldades adicionais, tanto mais quando projetadas em um universo reduzido de pessoas não apenas nos quadros da magistratura, mas também no de servidores e colaboradores, agravado em um crescente cenário de restrições orçamentárias. Mas os números realmente não mentem: temos conseguido grandes vitórias e grandes avanços no cumprimento das metas estabelecidas, as quais se devem a muito trabalho, muita dedicação. Em síntese, ao binômio compromisso e criatividade na utilização dos recursos, principalmente relativos à tecnologia da informação, que nos são disponíveis. Melhorar nossa produtividade, porém, não é objetivo isolado, pois não podemos perder de vista que prestar jurisdição diz com trabalho artesanal, caso a caso, cuja qualidade é o fator principal. 

  

5. No início da gestão, o senhor afirmou ser necessário ter criatividade e compromisso para enfrentar as restrições orçamentárias. Considerando a Emenda Constitucional nº 95/2016, que cortou significativamente parte do orçamento, as medidas adotadas para contornar o problema e seguir com o planejamento traçado pela Administração nesses dois anos foram bem-sucedidas? 

Acredito que sim, pois continuamos a desenvolver nosso trabalho com resultados satisfatórios, crescentes em produtividade, realizações e conquistas, como mostram os indicadores, a despeito da escassez de recursos orçamentários, que traz com ela a escassez de recursos humanos e materiais, elementos fundamentais para o desenvolvimento de qualquer atividade. Se poucos são os recursos financeiros e poucos também são os recursos humanos, evidentemente menos se poderá fazer para enfrentar a multiplicidade de desafios que uma Região continental nos impõe.

É preciso enfatizar, porém, e sempre fiz questão de destacar tal circunstância, que um cenário de dificuldades, de restrições orçamentárias, não é algo negativo, ao contrário. Traz consigo um ambiente de crescimento pessoal e institucional, de aprendizado, porque quando são fartos os recursos financeiros, geralmente utilizamos o caminho errado do desperdício e a porta confortável da ampliação nem sempre necessária de estruturas. Sempre defendi a ideia de que não há obra humana que não possa ser aperfeiçoada, nem obstáculos que não sejam superáveis se tivermos compromisso e amor no coração. Nessa seara, a criatividade, com a colocação da inteligência a serviço do ser humano é elemento fundamental. Nada pode ser feito sem que a inteligência seja colocada a serviço de nossos resultados, e sem que tenhamos a plena consciência de que o destinatário de nossos serviços é um terceiro, que deles necessita.

Sustento o entendimento de que profissionais, qualquer que seja seu ofício de atuação ou sua área de ciência e escolaridade, de nível fundamental, médio ou superior, nada mais são que amigos remunerados, pessoas pagas para fazerem algo de que precisamos e não podemos nós mesmos realizar. Assim, da mesma forma como gostamos de receber atendimento de qualidade nos serviços que terceiros nos prestam, temos de ter igual empenho na entrega dos resultados para que aqueles terceiros, que dependem dos nossos serviços, tenham a mesma qualidade e efetividade que queremos e gostamos de receber quando são os outros que nos prestam esses serviços. 

  

6. A respeito da construção da nova sede do TRF1, 39,4% de toda a obra foi executada até o momento, de acordo com o Plano de Ação do Tribunal. Apesar disso, mais de 94% do que o senhor se propôs a fazer durante o biênio foi executado. Diante da escassez de recursos, o que pôde ser feito em relação ao empreendimento no período em que o senhor esteve à frente da Corte?

Essa questão da obra na nova sede do Tribunal é bastante complexa porque envolve uma série de expectativas e contratações frustradas no passado. Tivemos rompimentos contratuais e uma série de percalços que fizeram com que, infelizmente, não tenhamos hoje mais nenhum contrato em andamento e estejamos ainda bastante longe do final da empreitada.

Para que se tenha uma ideia, estamos na fase de atualização de projetos para dar continuidade a algo pensado para estar pronto já há bastante tempo. Os projetos ficaram defasados, e tivemos de caminhar nesse terreno de atualização. Em mais uma dessas infelicidades no percurso, as empresas que estavam contratadas para fazê-lo tiveram as contratações encerradas por termo de prazo ou rescisão contratual sem que essa atualização tenha sido concluída.

Dentro desse contexto, nós procuramos voltar nossos olhos ao passado mas com a projeção de futuro, para que eventuais erros não sejam repetidos e possamos voltar a percorrer um caminho de normalidade. Na impossibilidade de prosseguirmos com as obras, como desejado, procuramos focar muito na parte do planejamento, até porque, sabemos, nos países mais desenvolvidos, toda obra tem dois terços de seu tempo ocupado com planejamento e apenas um terço empregado na execução. Quando o planejamento é bem feito, a execução geralmente é realizada dentro do cronograma temporal e financeiro, o que infelizmente não nos foi possível cumprir até agora e, enfatizo, não por culpa de um mau planejamento, mas por circunstâncias alheias à vontade dos que até aqui planejaram e, pelos percalços do caminho, não conseguiram alcançar o resultado esperado. 

 


7. A proposta de criação do TRF6, que atualmente tramita no Congresso Nacional, se deu justamente em seu mandato. Da forma como o projeto foi apresentado, se aprovado, quais serão os benefícios, de fato, para a Primeira Região? 

Trabalho junto à Justiça Federal da 1ª Região desde que ela foi implantada, nos idos de 1989, inicialmente como membro do Ministério Público Federal e a partir de agosto de 1998, portanto há quase 22 (vinte e dois) anos, como membro do Tribunal. Sempre entendi que Região continental, com as características próprias de mais de 80% do território nacional e congregando unidades da Federação de quatro das cinco regiões geográficas do País, com todas as diversidades de cultura e dificuldades vividas no dia a dia daqueles que a conhecem tão de perto, não é o ideal. O ideal, obviamente, a meu ver, é o de regiões menores, que não tragam tanta diversidade nem envolvam tamanhas distâncias físicas, para que o desenvolvimento dos trabalhos, no que diz respeito com a área da administração e também no que envolve a parte jurisdicional propriamente dita, possa ser mais eficaz.

A criação de novos tribunais, e penso que seria necessário o desmembramento da Região não apenas na esfera das Minas Gerais, mas eventualmente na de outros Estados da federação, especialmente no norte do País, é algo que por si só traz um benefício enorme, mas igualmente se faz acompanhar de desafios e dificuldades. O balanço geral, porém, na minha perspectiva é altamente positivo. Se vier a se tornar uma realidade, e esperamos que assim o seja, a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, melhor dizendo, a criação da Justiça Federal da 6ª Região, representará soma de trabalho e multiplicação de resultados, mesmo com os desafios que terão de enfrentar as duas, mas que também considero benéficos, até porque desafios são as verdadeiras molas propulsoras de desenvolvimento.

Acredito, enfim, que todos os jurisdicionados serão beneficiados, pois, como disse, uma região que abarca algo em torno de 82% do território nacional traz distâncias e desafios muito grandes, inclusive de acesso à jurisdição. Quanto mais desmembramentos como esses ocorram, distâncias físicas e diferenças culturais serão reduzidas e, principalmente, reduzidas as dificuldades para aqueles que são os destinatários de nossos serviços: os jurisdicionados. Temos de pensar sempre neles. Quanto mais próximos estiverem os órgãos jurisdicionais da população, maior será o benefício que a sociedade experimentará.  

  

8. Em encontro realizado em fevereiro de 2019 com diretores de foro da 1ª Região, o senhor ressaltou que o bom trabalho é fruto de esforços coletivos. Diante disso, como foi a relação de parceria da Presidência do TRF1 com as Diretorias de Foros durante o biênio?

Não há obra humana capaz de ser bem-feita solitariamente. O resultado positivo de qualquer trabalho, no âmbito institucional, é necessariamente fruto de um esforço coletivo e da conjugação de compromissos, ideias, inteligências e, principalmente, da comunhão de ideais. Basicamente, em qualquer esfera de atuação, segundo penso, a preocupação coletiva tem de estar presente e sempre à frente em nosso pensamento, seja quanto aos resultados que esperamos, seja quanto aos mecanismos empregados para a obtenção deles.

Somos uma região continental, já o dissemos, e todas as 14 (quatorze) unidades da Federação que compõem a Justiça Federal da Primeira Região são, na verdade, braços descentralizados do Tribunal. Cada Diretoria de Foro é uma longa mão da Corte e isso traz uma responsabilidade a todo, especialmente ao Tribunal, que tem de congregar esses esforços e fazê-los uniformes, sem perder de vista as diversas características e necessidades locais.

Considero muito boa e produtiva minha relação com todos os juízes federais diretores de foro. Nós, que conhecemos tão de perto os magistrados e os servidores da Primeira Região, sabemos que trabalhamos com ilhas de excelência, tanto na parte da magistratura como na parte dos serventuários, aqui considerados em seu sentido mais amplo. Essa equipe tem funcionado muito bem, graças a esses esforços coletivos e a essa união, como força que multiplica resultados. 

  

9. Deixando a Presidência do TRF1, de que maneira o senhor gostaria de ser lembrado como gestor? 

Ninguém entra na vida de outrem, ainda que eventualmente, por obra do acaso, e todos nós somos lembrados por nossas palavras e ações. Menos pelas palavras, que podem se perder com o vento, e mais pelas ações, marcas candentes do exemplo que deixamos. Todos nós queremos ser lembrados positivamente, ainda que a subjetividade do conceito possa variar de pessoa para pessoa. Isso é da essência do ser humano. Trabalhamos, produzimos e empenhamos os nossos melhores esforços na busca do desenvolvimento, aquela reta crescente e sustentável que serve a um projeto coletivo bem-intencionado, sinceramente pensado em benefício dos destinatários de um serviço. 

Sou daqueles que entendem que se o coletivo vai bem, o individual vai melhor ainda, não só pelos frutos que a prosperidade coletiva derrama nos corpos individuais, como principalmente pela satisfação que um sentimento de felicidade e bem-estar coletivo irradia em nossa alma. Se a saudade, na voz do poeta, é a presença constante dos ausentes, não custa sonhar que essa seja a lembrança de um gestor que, sem nada entender de gestão, buscou desempenhá-la da melhor forma que lhe foi possível. 

Se as pessoas se lembrarem de mim, do trabalho que compartilhei com um grupo fantástico de pessoas comprometidas, gostaria que essa lembrança repousasse na imagem de alguém que real e sinceramente pensou, trabalhou e se esforçou para a melhoria da prestação dos serviços jurisdicionais.

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