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Fenômeno migratório

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Entenda as origens da crise venezuelana que gerou o maior fenômeno migratório brasileiro e como as autoridades nacionais estão trabalhando para receber os imigrantes

Thainá Salviato | Ed. 92 Set 2018

  Homem em protesto nas rodovias  

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  Assistência emergencial aos venezuelanos  

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Operação Acolhida

Fernando Llano/Associated Press

Operação Acolhida

Homem em protesto nas rodovias de Caraca
Assistencia Emergencial aos venezuelanos
Cadastramento dos imigrantes no Abrigo T

  Cadastramento dos imigrantes  

O Brasil tornou-se o segundo destino mais procurado pelos venezuelanos que fogem da grave crise econômica, social e política que atinge aquele país. O Brasil recebe centenas de imigrantes que, todos os dias, chegam pelo estado de Roraima. A situação já configura o maior fenômeno migratório brasileiro e representa um complexo desafio para o estado, que enfrenta dificuldades de absorção dessa demanda migratória.

O assunto foi tratado pelo vice-presidente do TRF1, desembargador federal Kassio Marques, durante o XXI Congresso Internacional de Historia de los Derechos Humanos da Universidade de Salamanca (Espanha) e no II Fórum Jurídico – Tutela Jurídica dos Direitos Humanos, realizado pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf), nos dias 27 e 28 de setembro, em comemoração aos 30 anos da Constituição Ecológica do Brasil e aos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O magistrado apresentou um histórico dos acontecimentos que levaram a Venezuela ao estado atual de total degradação de direitos humanos e sociais, de que maneira a chegada dos imigrantes está refletindo na sociedade brasileira e como o governo está atuando para fazer frente a esse fenômeno migratório.

De acordo com o panorama apresentado pelo desembargador, a crise venezuelana teve início no século XX, quando o país deslocou o foco de sua economia das práticas agrícolas exportadoras para ser uma potência exportadora de petróleo. O boom do petróleo foi responsável por um crescimento econômico acelerado da Venezuela na década de 70, quando o preço do barril subiu mais de 400% e permitiu a injeção de investimentos nos serviços públicos. O problema é que o preço do petróleo sempre sofreu grandes oscilações, o que afetou a estabilidade político-econômica do país, especialmente nos anos 1980, 2000 e 2008.

Diante desse cenário, o governo venezuelano optou pelo controle dos preços e do câmbio e

pela limitação das importações; e as políticas de transferência e distribuição de renda foram abortadas. Medidas como essas resultaram na mais grave crise econômica e humanitária já enfrentada pelo país.

As dificuldades econômicas resultaram também em crise política, o que refletiu diretamente no bem-estar social e na dignidade humana. A sociedade se manteve contrária à política de governo e a situação sofreu agravamento crescente. Diante do colapso, o estado venezuelano perdeu as condições para garantir o mínimo existencial à população e passou a falhar no fornecimento de educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte, lazer, segurança.

As doenças também começaram a se proliferar, com o aumento de casos de difteria, dengue, malária, chikungunya, febre amarela e tuberculose. De acordo com dados recentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), foram mais de 500 casos suspeitos de sarampo no estado de Bolívar (fronteira com Roraima). Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) dão conta de que 72,7% da população perdeu em média 8,7 kg no último ano e 15% das crianças estão abaixo da faixa de peso ideal, índice que era de apenas 3% em 2009.

Diante da situação calamitosa em que a população venezuelana tem vivido, o êxodo tornou-se a única opção para muitos deles. Mais de um milhão de venezuelanos saíram do país de origem entre 2014 e 2017 e os principais destinos são Colômbia e Brasil. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), a Colômbia já recebeu cerca de 500 mil imigrantes, enquanto o Brasil já se aproxima da marca dos 60 mil. Em 2017, os venezuelanos representaram 53% dos pedidos de refúgio no Brasil com um total de 17.865 pedidos, de acordo com o Comitê Nacional para Refugiados (Conare).

Porta de entrada – O Brasil tornou-se o segundo destino mais procurado pelos venezuelanos em busca de melhores condições de vida, graças, entre outros aspectos, à proximidade geográfica e ao acesso mais facilitado, já que o caminho é todo percorrido por terra. É exatamente esse acesso facilitado por terra que rendeu à BR-174 o codinome de Rota da Fome. É por lá que chegam milhares de venezuelanos sedentos por comida, água, moradia e emprego.

“A nossa estrada BR 174 é denominada a Rota da Fome e não simplesmente por um simbolismo. Há uma emoção muito grande dos venezuelanos quando entram no Brasil e pedem água e recebem um prato de comida. A maioria dos venezuelanos não era de indigentes naquele país; eram trabalhadores, eram profissionais especializados e estão passando por uma situação de calamidade. Não têm emprego, não têm acesso ao sistema de saúde; e aquelas famílias mais abastadas não conseguem obter alimentos porque há um desabastecimento completo, inclusive parte dos imigrantes que chegam ao Brasil é para adquirir alimentos e retornar ao seu país”, explica Kassio Marques.

O magistrado destaca, ainda, fatores que fazem do Brasil um dos destinos mais procurados, como o fato de viver em democracia, estar em condição econômica mais favorável, valorizar e estimular a proteção dos direitos humanos e possuir um novo marco legal migratório também são fatores atrativos dos imigrantes.

Esses caminhos físicos e normativos levam os imigrantes ao estado brasileiro mais próximo da Venezuela, Roraima. Cerca de 800 venezuelanos entram em Roraima por dia e são recebidos pela estrutura organizada pelo estado brasileiro. São 55 pontos de maior concentração da fronteira até a capital Boa Vista, além de 11 abrigos, sendo 10 na capital e um no município de Pacaraima, que contam com uma capacidade de abrigo para quatro mil pessoas. Apesar disso, muitos dos imigrantes permanecem fora dos abrigos, vivendo em situação de extrema pobreza.

A incapacidade de absorção de Roraima acaba resultando em problemas socioeconômicos e de saúde pública também no Brasil, com a sobrecarga do sistema de saúde, aumento do desemprego, ocupação de ruas e praças, sobrecarga do sistema sanitário e proliferação de doenças.

A segurança também fica comprometida, já que todos esses efeitos colaterais da chegada dos imigrantes provoca o aumento da xenofobia entre brasileiros que se sentem ameaçados pelos venezuelanos. Já há registros de atentados contra imigrantes e protestos.

“O Brasil tem hoje, sem sombra de dúvidas, a possibilidade de receber imigrantes da Venezuela como de qualquer outro país. O percentual de imigrantes no Brasil é inferior ao de países como Argentina e EUA, por exemplo. Agora, há um parêntese a se fazer: quando eu falo da capacidade de absorção, eu falo da capacidade brasileira. O problema é pontual, é a capacidade de absorção no estado de Roraima e especialmente na cidade de Boa Vista. Quase a metade das filas nas unidades de saúde são ocupadas por venezuelanos e isso impacta na economia local, no meio ambiente, na cultura, então começou a gerar conflitos. O Brasil precisa ter uma certa capacidade gerencial para bem administrar esse problema”, avalia o desembargador federal Kassio Marques.

Para lidar com essa nova e delicada realidade, o governo brasileiro montou uma estratégia que envolveu, entre outras ações, a criação do Comitê de Assistência Emergencial aos Imigrantes Venezuelanos. Ficou reconhecida a necessidade de inclusão dos imigrantes em políticas públicas, de modo a propiciar o acesso a direitos sociais, culturais e econômicos.

Para efetivar essa estratégia, a atuação é multinível e conta com a colaboração de diversos órgãos públicos das esferas federal, estadual e municipal, além de organizações não governamentais e do Sistema das Nações Unidas. O contingente da Polícia Federal em Roraima foi reforçado e passou a atender 450 pessoas por dia para emissão de documentos necessários à realização de pedidos de refúgio, e 60 agentes da Força Nacional também foram enviados para a região.

Dados fornecidos pela equipe da Operação Acolhida referentes a junho/2018 mostram que são 9.466 venezuelanos residentes, 27.317 solicitantes de refúgio já incluídos no sistema, 1.885 solicitantes pendentes de inclusão, 9.978 atendimentos agendados, o que resulta num total estimado de 48.646 imigrantes.

O projeto do governo brasileiro também prevê auxilio com alimentação, itens de higiene, água, realocação, assistência em saúde, além de atendimento jurídico e psicológico. Para tanto, houve deslocamento de equipes do Ministério das Relações Exteriores e das Forças Armadas. Dados referentes ao mês de março indicam 720 atendimentos médicos em Pacaraima e 4.995 em Boa Vista.

Operação Acolhida – Esse é o nome dado à estratégia de atuação brasileira para receber os venezuelanos. Ela conta com duas etapas e a primeira delas é o chamado ordenamento de fronteira, quando é feita a identificação e regularização da entrada dos imigrantes, com o auxílio de diversos ministérios, como o da Justiça, das Relações Exteriores e do Desenvolvimento Social.

Para realização desta fase, foi aberto um posto de atendimento do Ministério do Trabalho para cadastramento dos imigrantes no Sistema Emprega Brasil. Desde setembro de 2017 já foram emitidas mais de 5.400 carteiras de trabalho.

A Receita Federal montou posto de atendimento na Polícia Federal, em Boa Vista, onde os venezuelanos podem regularizar a situação migratória com a emissão do CPF. Desde 2017, já foram emitidos mais de 30 mil CPFs, dos quais 15 mil foram emitidos só nos cinco primeiros meses de 2018.

Já foram realizadas três operações de combate ao trabalho escravo que resultaram no resgate de 10 venezuelanos. As denúncias foram feitas ao Disque 100, que conta com opção em espanhol e prioridade para ligações originárias do código de área 95.

Nos abrigos, os imigrantes recebem serviços básicos de alimentação, saúde e saneamento básico. É nessa primeira fase também que acontecem as ações para criação de uma barreira sanitária com o intuito de evitar que doenças que estão se proliferando na Venezuela, como o sarampo, se espalhem também pelo Brasil.

A segunda fase da operação é chamada de interiorização, que consiste no remanejamento dos imigrantes para outras localidades do país. Após o acolhimento, os imigrantes podem optar por três destinos: inserção no mercado de trabalho local, interiorização para outros estados ou retorno voluntário para a Venezuela.

Até setembro deste ano, mais de 1.600 imigrantes foram interiorizados, sendo distribuídos para São Paulo/SP, Manaus/AM, Cuiabá/MT, Rio de Janeiro/RJ, Igarassu/PE, Brasília/DF, João Pessoa/PB, Recife/PE, Curitiba/PR e Porto Alegre/RS.

Fenômenos migratórios são uma realidade em todo o mundo e, especialmente os que resultam de crises sociais, econômicas, políticas e humanitárias, como esse, estão recebendo atenção de todas as nações. É o que pensa o vice-presidente do TRF1: “É uma temática extremamente relevante e atual para todo o mundo. O fenômeno migratório para o brasileiro é novo, mas é discutido todos os dias pela imprensa internacional. Agora, diante desse fenômeno, estamos vendo um retrocesso na legislação dos países-membro da Comunidade Europeia, como a Itália, a Espanha e a Alemanha. Na contramão disso, tivemos o Brasil que, por vezes é referenciado de forma negativa em termos de legislação, trazendo uma legislação que eu não diria vanguardista, mas uma norma nova e que de fato tem no seu epicentro a valorização da dignidade humana.” Afirmou o magistrado, que concluiu: “A mensagem que eu deixo é que nós devemos sempre observar o fenômeno migratório, principalmente em casos como o da Venezuela em que a população bate às portas do estado brasileiro passando fome.

Sabemos que o Poder Judiciário só age quando provocado e a isenção é no sentido de que, na condição de operador do Direito, temos que nos afastar de opiniões, se essa é ou não uma situação justa para muitos brasileiros. Temos que aplicar a lei brasileira e os direitos sociais que estão garantidos não só aos brasileiros, como também aos venezuelanos”.

Até meados de maio de 2017, vigia no Brasil o chamado Estatuto do Estrangeiro, instituído pela Lei 6.815, de 19/08/1980. Em 24/05/2017, foi adotado o Novo Marco Migratório com a aprovação da Lei 13.445, chamada de Lei de Migração. A nova lei foi regulamentada pelo Decreto nº 9.199, de 20 de novembro de 2017

Outras normas foram aprovadas para lidar com questões migratórias, como a Medida Provisória nº 820, de 2018, o Decreto nº 9.285, de 15 de fevereiro de 2018, que reconhece a situação de vulnerabilidade decorrente do fluxo migratório provocado pela crise humanitária na Venezuela, e o Decreto nº 9.286, de 15 de fevereiro de 2018, que define a composição, as competências e as normas de funcionamento do Comitê Federal de Assistência Emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária.

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  Manifestantes da oposição  

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Operação Acolhida

Operação Acolhida

  Chegada do comboio do Exército  

Operação Acolhida

  Ação Social Fraternidade  

Reuters

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Samuel Figueira/Proforme

  Vice-presidente do TRF1, desembargador federal 

  Kassio Marques  

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