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A vida que vem de dentro
O leite materno é a primeira vacina do bebê, o alimento protege o recém-nascido de doenças e infecções. Crianças amamentadas tardiamente tem até 80% de risco de morte nos primeiros 28 dias de vida
Larissa Santos/TS | Ed. 88 Mai 2018
Amamentar ultrapassa os limites da simples alimentação. O leite materno é considerado a primeira vacina do bebê, pois o protege de infecções e alergias, que poderiam o levar à morte.
Produzido exclusivamente para os pequenos, o alimento contém nutrientes, proteínas, açúcares, gordura, vitaminas e ácidos graxos que oferecem nutrição e proteção, estimulam o cérebro e ajudam a relaxar em momentos de ansiedade.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os bebês devem ser nutridos exclusivamente com o aleitamento materno nos seis primeiros meses de vida. Depois disso, e até os dois anos de idade, o leite deve ser dado de forma complementar, em conjunto com outros alimentos.
Apesar da recomendação, a estimativa do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) é de que 77 milhões de recém-nascidos não tenham contato com o leite materno na primeira hora de vida. Atrasar o aleitamento entre 2 e 23 horas significa aumentar o risco de morte em 40% nos primeiros 28 dias de vida. Após 24 horas, o risco sobe para 80%.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), apenas 40% das crianças são alimentadas apenas com o leite materno nos seis primeiros meses. Dados como esse expressam um potencial aumento na mortalidade infantil, já que sem o leite materno o bebê não tem recursos suficientes para desenvolver imunidade contra doenças.
Em 2016, mais de cinco milhões de crianças com menos de cinco anos morreram no mundo. Isso significa 15 mil mortes infantis por dia, sendo que, dessas, sete mil ocorreram no período neonatal (até os 28 dias de vida), de acordo com a ONU. A OMS afirma que se todas as crianças fossem amamentadas durante os 24 primeiros meses, mais de 820 mil vidas seriam salvas.
Porém, para a representante adjunta da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), Maria Dolores Perez-Rosales, a amamentação não é de responsabilidade exclusiva da mãe. Envolve toda a comunidade, empresas, famílias, governos e serviços de saúde. “Promover o aleitamento materno é responsabilidade de todos”, diz.
Fases do leite materno – O primeiro leite produzido pela mãe é o chamado colostro. Ele é gerado nos primeiros dias após o parto em uma quantidade menor, que é exatamente o que a criança precisa nessa fase.
O colostro pode ser claro ou amarelado, grosso ou ralo, mas não deve ser considerado fraco, e a criança não deve ser privada dele, afinal, “fazer o bebê esperar muito tempo pelo primeiro contato crucial com sua mãe fora do útero diminui a chance de sobrevivência do recém-nascido, limita a produção de leite e reduz a probabilidade da amamentação exclusiva”, afirma France Bégin, assessora sênior de Nutrição do Unicef.
A segunda fase do alimento é chamada “leite de transição”, conhecida também como “a subida do leite” porque a quantidade gerada é maior do que a do colostro. Nessa etapa, o leite sofre uma alteração, passando a ser rico em gorduras e nutrientes e contribuindo com o crescimento e o desenvolvimento da criança de acordo com as suas necessidades.
Já o leite maduro tem uma aparência mais esbranquiçada do que os anteriores. Por apresentar os nutrientes necessários para o desenvolvimento cognitivo e físico, a proporção acompanha a maturidade do sistema digestivo do recém-nascido e supre completamente suas necessidades até o sexto mês de vida.
Benefícios e riscos – Um dos maiores benefícios do leite materno para a criança é a produção de anticorpos. Essa proteção impede que o bebê contraia algum tipo de alergia ou infecção, seja ela respiratória, urinária, no ouvido ou gastrointestinal. Isso faz com que recém-nascidos não amamentados ou amamentados parcialmente tenham mais risco de morrer por diarreia ou por alguma infecção.
Para a diretora executiva do Unicef, Henrietta H. Fore, “a amamentação salva vidas. Seus benefícios ajudam a manter os bebês saudáveis em seus primeiros dias e também na idade adulta”, isso porque a amamentação na infância está diretamente ligada ao nível de QI, ao desempenho, à frequência escolar e a outros fatores do desenvolvimento da pessoa.
Além de todos os benefícios para a criança, amamentar também traz benefícios para a mãe. Mais que fortalecer o laço afetivo entre mãe e filho, a amamentação após o parto diminui o sangramento da mulher, prevenindo a anemia e fazendo com que o útero volte mais rápido ao tamanho normal. Reduz o risco de câncer de mama e de ovários, que são as principais causas de morte entre as mulheres.
O leite é uma importante fonte de energia, podendo suprir mais da metade das necessidades de uma criança dos 6 aos 12 meses de vida e um terço das necessidades das quem tem de 12 a 24 meses. Além disso, crianças e adolescentes que foram amamentados quando pequenos são três vezes menos propensos a apresentar obesidade.
Sabendo disso, é preciso ter cuidado com os “substitutos” da amamentação. O pesquisador do Instituto de Fisiologia da Universidade de Zurique, na Suíça, Thierry Hennet, em entrevista ao El País, afirma que “o leite materno é tão complexo e tão rico em fatores bioativos (proteínas que estimulam o sistema imunológico, proteínas antimicrobianas, anticorpos...) que não pode ser substituído por nenhuma versão artificial”.
Chupetas, mamadeiras, chucas ou protetores de mamilo (bico intermediário) nem pensar! Segundo o Unicef, o uso desses materiais pode acarretar mais perigo de contaminação do leite, provocando doenças; atrapalhar o aleitamento, afinal as formas de sugar são diferentes, o que pode confundir o bebê e fazer com que ele mame errado depois, sem tirar a quantidade de leite que necessita, e modificar a posição dos dentes, atrapalhando a fala e a respiração.
Os Bancos de Leite Humano – Para evitar os riscos e proteger as crianças, o ideal é seguir as recomendações da OMS e amamentar os pequenos sempre que eles tiverem fome. Porém, se por um lado há mães que têm o leite ideal para seu filho, por outro existem muitas que, por motivos de estresse do momento, de problemas de saúde ou de condições de vida, não conseguem produzir leite.
É o caso de Gisele Bortoline que, em entrevista ao Portal Aleitamento, afirma que teve pré-eclâmpsia na gravidez de Helena, o que acarretou o nascimento prematuro da menina. Helena nasceu com 740 gramas e ficou internada quatro meses em unidade de terapia intensiva (UTI) neonatal alimentando-se por meio de sonda.
Nessa fase, o apoio do banco de leite foi essencial, porque, apesar de Gisele ter ordenhado leite para a filha, com o tempo não conseguia mais retirar o suficiente para alimentar a criança. “As mães que doaram leite ajudaram a recuperar Helena em uma fase tão crucial da vida. Isso foi fundamental”, conta.
O Brasil tem uma das maiores estratégias de banco de leite humano do mundo, exportando técnicas de baixo custo na implantação de bancos de leite para 24 países.
Em 2001, a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR) foi reconhecida pela OMS como uma das instituições que mais contribuíram para reduzir globalmente a mortalidade infantil na década de 90.
Estabelecida em 1998 por iniciativa do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), a rBLH-BR tem como missão promover, proteger e apoiar o aleitamento materno, coletando e distribuindo leite humano com qualidade certificada.
Atualmente, a Rede conta com mais de 200 bancos de leite humano em todos os estados brasileiros e com mais de 150 postos de coleta de leite humano (PCLH). A localização de cada uma dessas unidades pode ser encontrada no site da rBLH-BR.
O pouco pode ser muito – Os bancos de leite humano sobrevivem de doações. Foi graças às doações que quase dois milhões de recém-nascidos foram beneficiados com leite materno entre os anos de 2009 e 2016.
Em maio deste ano, em celebração ao Dia Mundial de Doação de Leite Humano (19 de maio), o Ministério da Saúde, em parceria com a Rede Global de Bancos de Leite Humano e com o Programa Iberoamericano de Bancos de Leite Humano, lançou a campanha nacional “Doe Leite Materno, Ajude quem Espera por Você”.
O objetivo da atividade é incentivar a doação de leite por parte de mães que amamentam, elevando o volume do leite coletado e distribuindo o alimento a recém-nascidos e a bebês abaixo do peso.
“As crianças nascem, as mães amamentam, e é muito provável que no início haja uma sobra de leite. A mãe pode ter muito mais leite do que o filho precisa. Estamos trabalhando com essa visão, a de compartilhar e de salvar vidas. Temos cerca de 330 mil crianças que nascem prematuramente no Brasil, por ano, e com necessidade de leite, e a mãe às vezes ainda não tem leite para amamentar”, afirma o ministro da Saúde, Gilberto Occhi, em entrevista à Agência Brasil. Veja o vídeo da campanha de 2018.
O Brasil é referência na doação de leite materno. Só em 2016, foram quase quatro mil litros de leite doados, mas ainda é preciso mais. Dos 330 mil brasileirinhos nascidos prematuros ou com baixo peso, a rBHL-BR consegue atender a aproximadamente 60%.
Segundo o ministro, no lançamento da campanha, “temos que ampliar a doação de leite materno porque salva vidas, protege os recém-nascidos e, principalmente, os que nascem prematuramente”.
Toda mulher que esteja amamentando e tenha excesso de leite pode doar desde que seja saudável e não use medicamentos que impeçam a doação. Qualquer quantidade é válida, todo miligrama é essencial. Não precisa doar o frasco cheio, até porque, dependendo do tamanho do bebê, um mililitro pode ser o suficiente para nutrir o recém-nascido.
O Ministério da Saúde disponibiliza um mapa dos locais de coleta em todo o Brasil, basta à mãe coletar e levar até um posto ou, a depender do local, receber a equipe de coleta em casa.
Porém, antes de doar é preciso seguir algumas recomendações:
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Preparação do frasco – opte por um frasco de vidro com tampa plástica (de café solúvel ou maionese), retirando o rótulo e o papelão que fica sob a tampa. Lave com água e sabão, enxague bem e ferva por 15 minutos em uma panela com água. É importante não enxugar o recipiente, apenas deixe escorrer a água em um pano limpo;
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Ordenha (retirada do leite) – escolha um lugar limpo e longe de animais, prenda e cubra os cabelos com touca ou lenço, utilize uma máscara para cobrir o nariz e a boca, lave mãos e antebraços (até o cotovelo) com água e sabão, secando com uma toalha limpa;
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Armazenamento – o frasco com leite deve ser guardado no congelador ou freezer por até 15 dias. Para adicionar o leite de outra ordenha, retire em outro frasco esterilizado e transfira para o já congelado, mas cuidado para não encher o frasco até a tampa, deixe um espaço de dois dedos.
Após esses passos, leve o alimento ao banco de leite humano mais próximo ou solicite a coleta domiciliar. O leite doado passa por um processo de análise, de pasteurização e é submetido a um rigoroso controle de qualidade; depois, é distribuído de acordo com as necessidades de cada recém-nascido.