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Internet

VIDEO GAME:

diversão ou distúrbio?

OMS inclui o vício em video game na lista de distúrbios mentais
e divide a opinião de especialistas na área

Larissa Santos/TS | Ed. 89 Jun 2018

Em um mundo tecnológico, como o que vivemos hoje, é difícil encontrar alguém que esteja desconectado. A tecnologia é capaz de encurtar distâncias, ampliar o conhecimento e proporcionar entretenimento para qualquer pessoa, em qualquer parte do Planeta.

Mas nem sempre a tecnologia oferece vantagens. Horas no celular, no computador ou no vídeo game podem ser prejudiciais ao ser humano, principalmente quando o aparelho se torna um vício.

E esse é um dos problemas alertados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na 11ª Classificação Internacional de Doenças (CID-11) ao incluir, pela primeira vez, o “distúrbio de games” ou “game disording” na lista de transtornos mentais.

De acordo com a OMS, a CID serve de base para identificar tendências e estatísticas de saúde em nível mundial além de ser um padrão internacional de notificação de doenças e condições de saúde.

O documento é usado mundialmente por profissionais da saúde no diagnóstico de condições, por pesquisadores na categorização dessas condições e por governos no planejamento de estratégias de saúde pública.

Para a OMS, a classificação do vício em video game como um transtorno significa que os profissionais de saúde devem dar mais atenção aos riscos que o desenvolvimento do problema podem causar e às medidas de prevenção e tratamento.

O psiquiatra Vladimir Poznyak, do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias da Organização Mundial de Saúde (OMS), em entrevista à revista New Scientist, explica que “os profissionais da saúde têm de reconhecer que os transtornos do jogo podem ter consequências graves para a saúde”. Poznyak é o coordenador da Unidade de Gestão de Abuso de Substâncias da OMS na sede da instituição em Genebra. Nessa função, ele é o responsável pela execução de atividades relacionadas à redução da demanda de drogas e ao controle do álcool na OMS.

Sem generalização – Apesar do alerta, é preciso ter cautela ao afirmar que alguém sofre com o transtorno. A OMS esclarece que o vício só pode ser considerado um distúrbio se for caracterizado por um padrão de comportamento contínuo ou recorrente.

Uma em cada três pessoas no mundo se diverte com algum tipo de jogo em telas, mas não é porque uma pessoa gosta de jogar que necessariamente será diagnosticada com o vício. Para isso, o CID-11 lista três condutas que devem ser observadas para se caracterizar o distúrbio:

  • Pouco ou nenhum controle sobre o jogo, seja quanto ao início, à frequência, à intensidade, à duração, à finalização ou ao contexto em que se joga;

 

  • Priorização dos jogos em vez de outras atividades diárias e de interesses vitais;

 

  • Continuidade do hábito de jogar, por mais que isso traga consequências negativas para a vida da pessoa.


 

Ainda que o indivíduo apresente essas condutas, a OMS reitera que esse padrão de comportamento deve ser grave o suficiente para gerar danos significativos na atuação pessoal, familiar, social, educativa, ocupacional etc. Além disso, a conduta deve perdurar por 12 meses para que o diagnóstico seja atribuído à pessoa.

Vladimir Poznyak esclarece que assim como a maioria dos consumidores de álcool não é alcoólica, a maioria das pessoas que jogam video game on-line ou off-line não sofre nenhum transtorno, porém o uso em excesso pode causar efeitos adversos.

De onde vem o vício? – Eduardo* tem 28 anos e luta contra a dependência do video game que começou aos 14 anos. Ele conta, em entrevista ao Fantástico, que já chegou a ficar 40 horas jogando sem interrupção.

Tomar banho, comer e dormir viraram tarefas secundárias, e ele só conseguiu parar de jogar quando o corpo deu sinais: “eu senti o meu corpo formigando, minha língua formigando, eu não conseguia conversar, minhas pernas tremendo..., e aí eu resolvi deitar para ver se passava e acabei dormindo”, relata.

Eduardo reconhece que o jogo oferece algo que a pessoa não tem na vida real, que vai desde uma aventura até a sensação de poder.

Tal dependência tem uma explicação: durante uma partida de game acontece uma reação bioquímica no cérebro do jogador fazendo com que ele libere um neurotransmissor, a dopamina, que proporciona a sensação de recompensa e prazer. Quem se vicia nessa sensação não consegue mais ficar sem a substância.

Medidas globais – Antes mesmo da atualização do CID, alguns países já se mostravam preocupados com a saúde mental dos jogadores. A Coréia do Sul, por exemplo, regulamentou, em 2011, uma lei que proíbe crianças e adolescentes menores de 16 anos de jogarem video game entre meia-noite e seis horas da manhã.

Apelidada de “Lei Cinderela”, a medida foi proposta pelo Ministério de Igualdade de Gêneros e Família com o objetivo de combater o vício em jogos e em internet; afinal, 8% da população sul-coreana com faixa etária até os 39 anos apresentam sintomas de vício em internet, de acordo com dados locais.

No Japão, os jogadores são advertidos pelos fabricantes caso ultrapassem determinada quantidade de horas no video game. A China, uma das maiores fabricantes de jogos, estabelece um limite diário de horas que uma criança pode jogar.

Já em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, o investimento foi realizado em clínicas de tratamento para o mau hábito em video games assim como na criação de grupos de apoio comunitários e on-line.

Há controvérsias – O diretor do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias da OMS, Shekhar Saxena, afirmou à Agência France Press (AFP) que a decisão de acrescentar a obsessão ao video game na lista de distúrbios foi tomada “depois de consultar especialistas em todo o mundo e de revisar as evidências de maneira exaustiva”.

Para o professor e pesquisador da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido, Mark Griffiths, em entrevista ao G1, a classificação deve auxiliar na legitimação do problema, reforçando as estratégias de tratamento.

Entretanto, a atitude de Mark Griffiths foi bastante criticada por alguns especialistas. Um grupo de pesquisadores publicou um artigo referente ao comportamento relacionado a jogos e, apesar de admitirem que esse ponto necessite de atenção, os estudiosos defendem que “não está tão claro que esses problemas possam ou que deveriam ser atribuídos a um novo transtorno”.

Segundo os pesquisadores, a classificação pode gerar pânico nas pessoas e provocar “aplicação prematura do diagnóstico na comunidade médica e o tratamento de casos ‘falsos positivos’ abundantes, especialmente para crianças e adolescentes”.

Diretor de pesquisa do Oxford Internet Institute, Andy Przybylski também criticou a atitude da OMS em entrevista ao jornal britânico The Guardian. “O que é muito importante entender sobre isso é que essas correlações são extremamente pequenas, e 99% do bem-estar de uma criança não tem nada a ver com telas, independentemente de como você mede isso”, disse ele.

O doutor Pete Etchells, professor de Psicologia e Ciência da Universidade de Bath, no Reino Unido, acredita que a classificação não está errada, mas pode ser precipitada. “A melhor evidência que temos atualmente sugere que algum tempo de tela, algum video game por dia, é melhor do que nenhum, especialmente para o bem-estar infantil”, explicou Etchells à Revista Superinteressante.

De qualquer forma, é preciso estar atento ao comportamento dos jogadores para que isso não se torne um problema. O psiquiatra Cirilo Tissot, em entrevista ao Jornal Nacional, esclarece que “quando eu começo a deixar de fazer outras obrigações, de ir à escola, estudar, frequentar relacionamentos sociais, de amigos, quando eu começo a fazer isso em função de jogo, esse é o principal sintoma de que a pessoa está viciada, está compulsiva nessa atividade”. O doutor Cirilo Tissot é diretor técnico da Clínica Greenwood, em Itapecerica da Serra/SP.

Para a psicóloga Sylvia Van Enck, do Programa de Dependência Tecnológica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas em São Paulo/SP, a solução é estabelecer uma negociação entre pais e filhos para se definir o tempo de jogo e é essencial que os pais não deixem de monitorar o uso do aparelho.

*Nome fictício

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