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O corpo contra si mesmo
Lúpus atinge mais de 60 mil brasileiros, e a desinformação é o principal obstáculo na conscientização da doença autoimune
Gabriela Chabalgoity/LS | Ed. 96 Fev 2019
Muita gente não conhece e pouco se fala sobre o lúpus: uma doença autoimune que atinge majoritariamente mulheres e consiste no corpo atacando a si mesmo de forma a prejudicar os mecanismos de defesa.
Os chamados glóbulos brancos (leucócitos), produzidos na medula óssea e encontrados no sangue, ajudam a proteger o corpo de substâncias invasoras e nocivas, conhecidas como antígenos.
Esses leucócitos são parte fundamental do sistema imunológico e têm a função de produzir anticorpos que agem contra os antígenos, destruindo-os.
Todavia, no caso de doenças autoimunes como o lúpus, o sistema imunológico não consegue distinguir os antígenos das células saudáveis do corpo e as ataca, gerando problemas com a imunidade e com o funcionamento do organismo.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), a incidência da doença ocorre, principalmente, em pessoas de 20 a 45 anos, e, apesar de não existir um número exato, a estimativa é de que ela atinja em torno de 65 mil pessoas no Brasil.
Reprodução
Tipos de Lúpus
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o lúpus pode se manifestar de quatro formas diferentes:
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Lúpus discoide: manifesta-se exclusivamente na pele, podendo ser identificado com o surgimento de lesões avermelhadas com tamanhos, formatos e colorações específicas na pele – especialmente no rosto, na nuca e no couro cabeludo;
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Lúpus sistêmico: é o mais comum tipo de lúpus e pode ser de intensidade leve ou grave, conforme cada situação. Nessa forma da doença, a inflamação acontece em todo o organismo da pessoa, comprometendo vários órgãos e sistemas, tais como rins, pulmão, sangue, articulações e pele. O lúpus discoide pode evoluir para o sistêmico, mas não é sempre isso que acontece;
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Lúpus induzido por drogas: essa manifestação também é comum e ocorre devido à inflamação provocada por substâncias de algumas drogas e/ou medicamentos. No entanto, a doença tende a desaparecer assim que o uso da substância acabar;
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Lúpus neonatal: esse tipo de lúpus é bastante raro e afeta recém-nascidos de mães que têm lúpus. Normalmente, ao nascer, a criança pode ter erupções na pele, problemas no fígado e/ou baixa contagem de células sanguíneas, mas esses sintomas tendem a desaparecer naturalmente alguns meses pós-parto.
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A manifestação do lúpus discoide se limita à pele, já o lúpus sistêmico pode acometer, além da pele, as articulações e os órgãos internos.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) evidenciam que a mortalidade do lúpus sistêmico segue um padrão bimodal, ou seja, apresenta dois aspectos distintos. Nos estágios iniciais, a morte é causada principalmente pela infecção seguida pela interrupção da atividade dos rins ou do sistema nervoso central.
Já nos estágios mais avançados da doença, há um aumento na mortalidade por doenças cardiovasculares associadas à aterosclerose, enfermidade caracterizada pela formação de placas de gordura nas artérias, dificultando a passagem do sangue.
No Brasil, existe uma diferença de formas de vida a depender da região e uma desigualdade na distribuição de renda, tornando esses fatores decisivos no tratamento do lúpus, já que interferem no acesso aos serviços de saúde oferecidos pelo Estado.
Sintomas e tratamento
O principal sintoma do lúpus é dor intensa no corpo, porém existem outros alertas menos conhecidos que também podem ajudar a perceber a doença, como, por exemplo, manchas arredondadas e avermelhadas na pele com bordas bem definidas e muitas vezes com formato de borboleta.
Além disso, também podem aparecer lesões semelhantes a espinhas e placas avermelhadas que rapidamente deixam o aspecto de pele áspera.
Nos casos mais graves, inflamações nas articulações são comuns, o que gera muita dor no corpo, fadiga, falta de ar, taquicardia, tosse seca, dor de cabeça, convulsões, anemia, problemas hematológicos, renais, cardíacos e pulmonares.
A incidência da doença acomete principalmente mulheres em idade fértil, já que o hormônio estrógeno é um dos fatores externos que podem causar lúpus. Por isso, uma das primeiras atitudes a serem tomadas nesses casos é a interrupção do uso de anticoncepcional à base do hormônio.
Estima-se que, no Brasil, uma a cada 1.700 mulheres no Brasil tenha lúpus, segundo a SBR.
Lúpus não tem cura, mas, assim como diabetes e pressão alta, tem tratamento visando, principalmente, controlar os sintomas e melhorar a qualidade de vida de pacientes com a doença.
A depender do tipo de lúpus, as formas de tratamento podem variar, utilizando-se como base: anti-inflamatórios para artrite e pleurisia; protetor solar para as lesões da pele; corticoide tópico para pequenas lesões cutâneas e corticoides de baixa dosagem para os sintomas da pele e artrite.
Lúpus em celebridades
Nos últimos anos, o lúpus ganhou um pouco mais de visibilidade após celebridades como Lady Gaga e Selena Gomez declararem que convivem com a enfermidade.
Gaga, por exemplo, cancelou a sua apresentação no Rock in Rio de 2017 devido a complicações do lúpus. Em documentário sobre a sua trajetória, a cantora relata o quanto incomoda sentir dores o tempo inteiro e como a doença prejudica tanto a vida profissional quanto a pessoal.
Michael Jackson, considerado o rei do pop, também foi diagnosticado com lúpus entre o fim da década de 70 e o início da década de 80 e, de acordo com o dermatologista americano Richard Strick, a enfermidade destruiu parte da pele do nariz do artista, desencadeando cirurgias para tentar reconstruí-la.
Desafios cotidianos
Muito além dos holofotes, o lúpus pode afetar qualquer pessoa, como é o caso de Renata Diniz, 43 anos, confeiteira, que foi diagnosticada com a doença em 2013.
Arquivo pessoal
Apesar disso, os sintomas começaram a aparecer quando Renata ainda tinha 26 anos, e essa demora no diagnóstico pode ser explicada porque não há um exame específico para a enfermidade, podendo, assim, levar uma vida inteira para se detectar a presença de lúpus no corpo.
Os maiores desafios enfrentados por ela foram aprender a lidar com a doença e considerar as limitações de seu corpo. Renata disse que, apesar de atualmente conseguir lidar com a doença, as dores no corpo e a fadiga ainda são sintomas marcantes em sua rotina.
Quando tem crises da doença, ela é impedida de trabalhar e realizar as tarefas do dia a dia por sentir dores intensas e cansaço. Além disso, também toma medidas de precaução, como ter cuidado com a exposição ao sol e respeitar os limites do seu corpo de forma a não realizar atividades que exigem muito esforço físico.
Fevereiro Roxo
Hoje muito se fala sobre o Outubro Rosa, o Novembro Azul e a prevenção das doenças relacionadas, porém, o mês de fevereiro também deve ser lembrado como um alerta à sociedade. Isso porque esse é o mês de conscientização acerca das doenças autoimunes, as quais incluem a fibromialgia, o Alzheimer e o lúpus.
Fevereiro Roxo chama a atenção tanto para a prevenção quanto para o diagnóstico dessas doenças que podem trazer sérias consequências se as enfermidades não forem identificadas e tratadas em estágio inicial.
Confira abaixo o vídeo da campanha:
Divulgação
Cuidados necessários
Segundo a reumatologista Emilia Inoue Sato, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alguns cuidados são fundamentais para se prevenir o lúpus e também para quem tem a doença e busca qualidade de vida. Esses cuidados envolvem:
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Evitar ao máximo o contato com o sol em razão dos raios ultravioletas que, muitas vezes, geram o surgimento de novas lesões na pele e crises de atividade do lúpus (o sol, nesse caso, funciona como gatilho). Caso seja inevitável, lembrar sempre da utilização do protetor solar;
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No caso das mulheres, evitar o uso de anticoncepcionais à base de estrógeno;
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Alimentar-se de forma saudável e ingerir alimentos que têm ação anti-inflamatória, como, por exemplo, ervas aromáticas, peixes ricos em ômega 3, frutas cítricas, frutas vermelhas e óleo de coco;
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Praticar exercícios físicos regularmente, caso o paciente esteja em meio a uma crise, a recomendação é tomar um medicamento para controle das dores e se esforçar ao máximo para praticar algum esporte, mas sempre respeitando os limites do corpo.
Mesmo com os sintomas, ter lúpus não significa que a vida acabou. Com tratamento adequado e acompanhamento médico é possível que o paciente leve a vida com qualidade e bem-estar.
O mais importante é estar sempre com os exames em dia, atentar para a manifestação de qualquer um dos sintomas e buscar um profissional da saúde que possa diagnosticar e indicar o tratamento adequado para controlar a doença.
Saiba mais em https://globoplay.globo.com/v/6155616/