Muito além dos macacos
Macacos não transmitem febre amarela e a vacina é a melhor maneira
de evitar a doença
Larissa Santos/TS | Ed. 85 Fev 2018
Internet
Dor de cabeça, dores musculares, febre, falta de ar e fraqueza podem sinalizar muito mais do que um mal-estar. Unidos a calafrios, náuseas e vômitos, os sintomas podem indicar a febre amarela.
Segundo o Ministério da Saúde, a manifestação inicial da doença costuma aparecer de três a seis dias após a infecção, e a maioria das pessoas melhora após esses sintomas. Porém, cerca de 15% têm um breve período que pode variar de algumas horas a um dia sem indícios e logo após desenvolver a forma mais grave da moléstia.
Nesses casos mais graves, a pessoa infectada pode apresentar febre alta, icterícia (coloração amarelada da pele e do branco dos olhos), hemorragia e insuficiência renal. De acordo com o médico epidemiologista e professor Pedro Luiz Tauil, da Universidade de Brasília (UnB), quando há a presença desses sintomas, existe também grande chance de óbito: cerca de 40% dos indivíduos morrem.
A febre amarela é classificada como infecciosa grave de natureza viral, ou seja, causada por vírus que é transmitido por meio da picada de mosquitos infectados.
A transmissão ocorre em dois ciclos: urbano e silvestre. O médico Pedro Tauil explica que “a doença é única. É a mesma do ponto de vista etiológico, clínico, imunológico e fisiopatológico. A diferença está no modo de transmissão”.
No ciclo urbano, a doença é transmitida pela picada do Aedes Aegypti, o mesmo mosquito que propaga outras doenças como a dengue, a zika e a chikungunya. O Brasil não tem registros desse ciclo de transmissão desde 1942, conforme o Ministério da Saúde.
Já o ciclo silvestre acontece com a picada de mosquitos como o Haemagogus e o Sabethes. Neste ciclo, o homem participa como hospedeiro acidental, contraindo a doença ao entrar em áreas de mata.
E os macacos?! Eles não transmitem a febre amarela para as pessoas. O Ministério da Saúde explica que eles são importantes para avisar às autoridades de saúde onde o vírus da doença está circulando. A morte dos macacos é analisada, e se o motivo for a febre amarela, o alerta de cuidados com as pessoas é acionado.
Dados – De acordo com o Ministério da Saúde, de julho de 2017 a fevereiro de 2018 foram notificados 1.773 casos de febre amarela no Brasil, sendo 545 confirmados, 685 descartados e 442 em investigação. O número de mortes já soma 164 em todo o País.
São Paulo é o estado com mais notificações da doença: foram 696, sendo 284 descartados e 208 confirmados; 57 pessoas vieram a óbito. Apesar disso, Minas Gerais é o estado com maior incidência de febre amarela, com 264 casos confirmados e 77 mortes.
O Ministério da Saúde classifica como áreas de risco locais onde há matas e rios, já que o vírus e seus transmissores se desenvolvem naturalmente. Sendo assim, toda pessoa que resida em regiões de risco ou próximo a essas áreas ou que se desloque para esses locais deve se imunizar para evitar a doença.
Mas nem todo mundo adota essa medida preventiva. Foi o caso de Adriano Barbosa, 31 anos, que não havia se vacinado e ao se mudar de São Paulo para Mariana/MG e passar alguns dias na casa da avó de sua esposa, na zona rural, contraiu a doença.
Ele conta que sentiu dor de cabeça, dores no corpo, principalmente nas costas, falta de apetite, sonolência, febre e vômitos. “Cheguei a vomitar sangue”, relembra e descreve as horas de agonia: “comecei a me sentir mal em um dia e no outro dia fui ao médico. Ele aplicou dipirona monoidratada na veia e me mandou para casa. Pela madrugada comecei a sentir febre e a vomitar. Quando já estava com muita fraqueza nas pernas, voltei ao médico e fui internado”.
Adriano ficou dez dias internado, permanecendo no Centro de Tratamento e Terapia Intensiva (CTI) em cinco deles, e passou por duas unidades de saúde diferentes. Ele conta que teve de fazer transfusão de plaquetas (usada para prevenir ou tratar o sangramento em pacientes com distúrbios das plaquetas sanguíneas), recebendo 12 bolsas de sangue de doadores diferentes. “Minha esposa, que estava sempre ao meu lado, pediu ajuda para as pessoas fazerem doações de sangue para mim”, diz.
Os médicos que cuidavam do caso de Adriano acreditavam que ele tinha 30% de chance de sobreviver, e que poderia ter sequelas como a perda completa do fígado, a perda de memória e até mesmo permanecer entubado. Hoje, recuperando-se da doença e da perda de parte do fígado, ele comemora a alta e faz planos para o futuro: “quero viver cada momento como se fosse o único, aproveitar a companhia e o amor de meus familiares, trabalhar e me cuidar para me recuperar totalmente”.
Prevenção – Apesar de não ser contagiosa, ou seja, não ser transmissível de pessoa para pessoa, a febre amarela pode atingir qualquer pessoa que seja picada por um mosquito infectado.
O epidemiologista Pedro Tauil defende que a vacina é a única maneira eficaz de se prevenir a doença, e, portanto, toda pessoa não vacinada está sujeita à infecção, independentemente de sexo ou de idade.
A vacina contra a doença é oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e disponibilizada em 20 estados e no Distrito Federal, classificados pelo Ministério da Saúde como “Áreas com Recomendação da Vacina”. São eles: Acre, Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás, Mato Grosso do Sul, Bahia, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo.
Entretanto, é preciso alguns cuidados, porque nem todos podem ser vacinados. Crianças menores de nove meses de idade, mulheres amamentando crianças menores de seis meses de idade, pessoas com alergia grave ao ovo, pacientes que tenham HIV com contagem de células CD4 menor que 350, indivíduos em tratamento com quimioterapia/radioterapia, pacientes com doenças autoimunes e submetidos a tratamentos com imunossupressores (que diminuem as defesas do corpo) não devem tomar a vacina.
Já os idosos, pessoas que terminaram o tratamento de câncer, pacientes com doenças hematológicas (do sangue), renais e hepáticas, gestantes e pessoas em uso de corticoide devem passar por avaliação dos serviços de saúde antes de receber a imunização contra a febre amarela.
Dose única e dose fracionada – Desde 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS), baseada em estudos e dados, constatou que uma vez tomada, a vacina é eficaz por toda a vida de uma pessoa. Antes, a imunização era feita a cada dez anos.
Em situações emergenciais, ou seja, quando há a expansão da febre amarela de forma intensa, a OMS recomenda que a região adote o fracionamento da vacina, ou seja, reduzir o volume da dose de 0,5ml para 0,1ml.
O Ministério da Saúde explica que a vacina fracionada tem a mesma eficácia que a dose padrão, a diferença está no tempo de proteção: enquanto a padrão protege por toda a vida, a fracionada tem efeito por pelo menos oito anos, segundo estudo feito pelo Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Biomanguinhos/Fiocruz). Todavia, Pedro Tauil alerta: “não temos dados suficientemente seguros para afirmar por quanto tempo dura a proteção da vacina fracionada. Quem tomar a vacina, por enquanto, tem que repetir a dose periodicamente”.
A vacina é feita a partir do vírus vivo, e isso significa que há chance de se desenvolver a doença por meio da imunização. Mas o Ministério da Saúde defende que o risco é mínimo: uma chance a cada 400 mil. O médico infectologista Marcos Caseiro complementa: “ainda que haja os riscos mínimos em relação aos efeitos adversos da vacina, a doença é muito mais grave”.
*Com informações da EBC e do G1.
“Aconselho a quem não se vacinou a procurar se imunizar, porque só quem passa pela doença sabe que a febre amarela mata”.
Adriano Barbosa, sobrevivente da febre amarela
Adriano após sair do CTI, juntamente com a equipe médica do Hospital
Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte