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Acessibilidade: um direito em evolução

Estimular o acesso de pessoas com deficiência é um desafio que está sendo abraçado pelo TRF da 1ª Região

Renata Fontes   | Ed. 105 Dez 2019/ Jan 2020

Foi somente com dez anos de idade que a Priscilla Gameiro iniciou os estudos em uma escola especial bilíngue para surdos. “Aí comecei a ter acesso a um intérprete”, contou ela, que hoje tem 34 anos e trabalha há cinco na Central de Digitalização Judicial (Cedig) do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Formada em administração e pós-graduada na Língua Brasileira de Sinais (Libras), ela conta que, antes da escola bilíngue, não sabia conviver com surdos pela falta de interação social. E isso só foi possível a partir da chamada “acessibilidade”, que é um conjunto de medidas voltadas a garantir o acesso a pessoas com necessidades diferenciadas, especiais, como aqueles que têm mobilidade reduzida.

Atento a essas pessoas, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu a Resolução 230, de 22 de junho de 2016, que orienta a adequação das atividades dos órgãos do Poder Judiciário e de seus serviços às determinações da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo e pela Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência. Instituiu também a criação das Comissões Permanentes de Acessibilidade e Inclusão para fiscalizar, planejar, elaborar e acompanhar projetos arquitetônicos de acessibilidade e projetos pedagógicos de treinamento e capacitação dos profissionais e servidores que trabalhem com pessoas com deficiência, fixando metas anuais, direcionados à promoção da acessibilidade.

TRIBUNAL MAIS ACESSÍVEL

No mesmo ano, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região instituiu a Comissão Permanente de Acessibilidade e Inclusão do TRF1 (Copaci), atualmente presidida pela juíza federal Denise Dias Dutra Drummond, que conta também como membro efetivo o juiz federal substituto da 22ª Vara do Distrito Federal Ed Lyra Leal - o primeiro juiz federal cego do Brasil. Outro membro da comissão é o supervisor da Seção de Apoio à Gestão Socioambiental e de Acessibilidade e Inclusão, Carlos Domingues (Seamb). Somente no TRF1, há 50 profissionais com algum tipo de deficiência.

Segundo Carlos Domingues, o TRF1 conta atualmente com três projetos de acessibilidade e inclusão: a implantação do Sistema Processo Judicial Eletrônio (PJe); a digitalização do Acervo Judicial do TRF1 - 2ª instância, ambos parte do planejamento estratégico do Tribunal,  e a acessibilidade para os edifícios do TRF1.

Ele explica que “a virtualização dos processos judiciais desobrigará o público externo  de comparecer pessoalmente às instalações do Tribunal para peticionamento, obtenção de cópias de peças processuais ou de outras informações, o mesmo valendo para o público interno, que terá ampliada a opção de realizar suas atividades remotamente, via teletrabalho, tendo impacto direto na acessibilidade e inclusão do Tribunal”.

No que diz respeito ao mundo digital, a acessibilidade do portal do Tribunal é outra iniciativa em desenvolvimento. Segundo a avaliação e simulação de acessibilidade realizada, a página do TRF1 foi classificada como 88% acessível, o que representa um crescimento de 14% entre os anos de 2016 e 2019.

Já projeto para os Edifícios do TRF1 estão em processo de execução e incluem as seguintes ações: instalações de poltronas para obesos nas salas de sessão e do plenário; adequação de banheiros, rampas e balcões de todos os prédios do Tribunal; instalação de elevador plataforma para acesso ao restaurante hotel no Centrejufe; sinalização tátil de piso para os prédios de piso para os prédios do TRF1; instalação de sinalização tátil, em braile, na forma de placas, totens e mapas, para todo o Tribunal e adequação de corrimãos de todas as instalações do TRF1.

Para subsidiar essas iniciativas, o TRF1 está, voluntariamente, se utilizando do  Manual de Acessibilidade: Como construir um ambiente acessível nas organizações públicas, de 2019, desenvolvido pela Rede de Acessibilidade, composta pelos seguintes órgãos públicos: Senado Federal, Câmara dos Deputados, Supremo Tribunal Federal (STF), Superior Tribunal de Justiça (STJ), Tribunal de Contas da União (TCU), Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Segundo o Manual de Acessibilidade, que “é parte do processo democrático assegurar os direitos dessa população, na construção de uma sociedade que realmente valorize a diversidade humana, entendendo que nela reside nossa principal riqueza”. As orientações contidas no documento estão sendo aplicadas gradativamente no TRF1, explica Carlos Domingues.

A Rede de Acessibilidade foi criada com o objetivo de orientar o planejamento de ações para adequação das organizações públicas aos requisitos de acessibilidade exigidos pela legislação em vigor.

O EXEMPLO DA CEDIG

A Central de Digitalização Judicial do TRF1 (Cedig), unidade da Coordenadoria de Registros e Informações Processuais (Corip), conta com 33 deficientes, 22 surdos, dez deficientes físicos e um deficiente visual – o James.

A baixa visão não foi empecilho para que ele, hoje com 39 anos, trabalhe em dois empregos – um deles, como digitador da Cedig. Na sua história, uma triste constatação: ele não se reconhecia como deficiente visual e não entendia seu papel na sociedade.  “O que me prejudicava em relação à minha deficiência, por incrível que pareça, era eu mesmo, e não as pessoas que estavam ao meu redor. Eu não me aceitava e se você não se aceita, como as pessoas vão te aceitar e respeitar? As pessoas vão te ver como um nada, se você se tratar como um nada”.

                A mãe de James percebeu que ele não enxergava bem ainda cedo, aos três anos de idade, quando ele sempre ficava muito próximo da televisão para ver o que estava sendo transmitido. Na escola, o mesmo problema, porque James não conseguia ler o que estava escrito no quadro negro, a não ser que estivesse bem próximo.

                Alguns anos e diversos médicos depois, o diagnóstico de James foi confirmado, uma distrofia nas córneas, que resultou na perda parcial da visão. Ele foi encaminhado ao Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais do DF, onde só pôde permanecer por um ano, devido à distância do local em que morava. “A professora era especial com a gente, havia poucos alunos e somente lá me recordo de aprender de verdade”, afirmou.

                Retornando para uma escola que não era preparada para receber deficientes visuais, James conta que sofreu bullying por conta de suas limitações, o que o levou a ter dificuldades no aprendizado. Já inserido no mercado, seu primeiro trabalho foi como office boy e depois, como agente administrativo -  emprego que logo perdeu, devido a falta de acessibilidade do local em que trabalhava.

                Hoje, após um o tratamento médico a que se submeteu com um profissional atencioso, James pode se orgulhar de trabalhar em frente à tela do computador. Para isso, usa óculos especiais. Segundo a sua supervisora, Ilana Neiva “ele é um dos melhores profissionais que temos”.

                “Eu não me aceitava. A partir do momento que passei a me aceitar e a enfrentar esse preconceito que existia dentro de mim mesmo, eu comecei a fazer a diferença”, conta James.

Outra colega que também trabalha na digitação da Cedig, a Elaine Costa, 42, relata com tristeza a dificuldade que é para um deficiente físico conseguir emprego.

 “A maior dificuldade para pessoas com deficiência arrumarem emprego está no local de trabalho, tantos as empresas públicas quantos as privadas necessitam que aquele espaço esteja acessível. Então muitas vezes vejo pessoas perdendo o emprego simplesmente porque aquele espaço de trabalho não está acessível para a nossa limitação. Eu consigo trabalhar, eu posso trabalhar, basta me oferecem condições para isso”.

                Ela, que teve poliomielite aos seis meses de vida, hoje está feliz por não depender mais das muletas – vez ou outra opta por uma bengala.  De acordo com Elaine, eventos já promovidos pelo TRF1, como o “Setembro Azul” (campanha realizada em 2019 sobre a inclusão de pessoas surdas e a valorização da Língua Brasileira de Sinais), trazem visibilidade não somente para surdos, mas também para a necessidade de vivermos em um ambiente acessível a todos.

 

QUADRO: ACESSIBILIDADE EM EVOLUÇÃO

 

Segundo o último censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente 4,7% das calçadas brasileiras são acessíveis para pessoas com deficiência física. Ainda segundo o órgão, 45 milhões de brasileiros são deficientes físicos, o que representa 6,7% da população.

Em 2006, uma Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas adotou resolução que estabeleceu a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Esse encontro produziu um Protocolo Facultativo, que está em vigor desde 2008, com o objetivo de “proteger e garantir o total e igual acesso a todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, e promover o respeito à sua dignidade”.

O Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiências determinou a participação das pessoas com deficiência  em processos públicos de tomada de decisões sobre seus próprios direitos. Ele é composto por 18 membros, especialistas independentes em direitos humanos do mundo todo, que atuam em caráter pessoal e não como representantes dos Estados. Em 2019 uma brasileira passou a integrar o Comitê, a deputada federal Mara Gabrilli, que ocupará o cargo até 2022.

A participação total de pessoas com deficiência no processo de gerenciamento de projetos sobre acessibilidade e em todas as ações e resultados voltados para o tema é fundamental e essencial para atender os princípios estabelecidos no acordo.

O Brasil é um país signatário e incorporou a Convenção desde 2009, e baseado no documento estabeleceu, em 2015, um estatuto federal sobre o tema, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).

De acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei nº 13.146 de 6 de julho de 2015, o conceito de acessibilidade é a “possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privado de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida”.

O CAMINHO DA ACESSIBILIDADE NO BRASIL

Constituição Federal de 1988- Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Lei de Cotas- de 1991, exige que as grandes empresas tenham um número mínimo de colaboradores com deficiência nos quadros funcionais: de 2% a 5% do número total de funcionários, na seguinte proporção: de 100 a 200- 2%, de 201 a 500- 3%, de 501 a 1000: 4% e a partir de 1001 funcionários 5%.

Lei nº 10.098- de 2000. O Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação.

Decreto nº 5296- de 2004, este Decreto regulamenta as Leis nº 10.048 e 10.098, reforçando o atendimento prioritário, projetos arquitetônicos e urbanísticos acessíveis, acesso a comunicação e informação e acrescentou ainda, as normas técnicas da ABNT como parâmetros de acessibilidades a serem seguidos.

Resolução nº 168 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)- de 2004, tornou obrigatória a presença de intérpretes e professores, que saibam a Língua Brasileira de Sinais (Libra), em todas as etapas do processo de habilitação de condutor de veículo automotor e elétrico.

Decreto nº 7.724- de 2012, que regulamenta os procedimentos para garantia do acesso à informação disposto na Lei nº 12.527 de 2011.

Lei Brasileira de Inclusão- A LBI aprovada em 2015 entrou em vigor somente em 2016 e foi inspirada no protocolo da Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com deficiência. É a Lei mais abrangente em se tratando de acessibilidade no Brasil e trata de questões fundamentais para as PCDs como: educação, transporte, saúde, acesso à informação e a comunicação e das penalidades para quem descumprir a Lei.

Resolução Normativa nº 428- de 2017. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou em 2017, determinação atualizando o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde, exigindo que a comunicação das alterações dos planos de saúde seja feita forma clara e acessível, assim, os planos de saúde precisam ter seus canais de comunicação, como os sites, por exemplo, acessíveis para todos.

Portaria nº 20 do Ministério da Educação (MEC)- de 2017, busca promover a inclusão de PCDs no ensino superior, exigindo que os ambientes físicos e digitais das universidades estejam acessíveis.

Direitos das pessoas com deficiência

  • Ao respeito pela sua dignidade humana;

  • Aos mesmos direitos fundamentais que os concidadãos;

  • Aos direitos civis e políticos iguais aos de outros seres humanos;

  • As medidas destinadas a permitir-lhes ser o mais autossuficientes possível;

  • A tratamento médico, psicológico e funcional e

  • A desenvolver suas capacidades e habilidades ao máximo e
    apressar o processo de sua integração ou reintegração social;

  • A segurança econômica e social e a um nível de vida decente;

  • De acordo com suas capacidades, a obter e manter o emprego ou se engajar em uma ocupação útil, produtiva e remunerada e se filiar a sindicatos e a ter suas necessidades especiais levadas em consideração em todas as etapas do planejamento econômico e social;

  • A viver com suas famílias ou com pais adotivos e a participar de todas as atividades criativas, recreativas e sociais e não serem submetidas, em relação à sua residência, a tratamento diferencial, além daquele exigido pela sua condição;

  • De serem protegidas contra toda exploração, todos os regulamentos e todo tratamento abusivo, degradante ou de natureza discriminatória;

  • A beneficiarem-se de assistência legal qualificada quando tal assistência for indispensável para a própria proteção ou de seus bens.

Fonte: Declaração sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, proclamada pela Assembleia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1975

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