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Rabo de um furacão

Você sabia que o nosso colaborador Euvaldo Pinho já passou por uma quarentena? Mas essa foi muito diferente da que o mundo vive hoje, como nos conta na aventura em águas caribenhas quando ele e sua tripulação estiveram perto da rota de um furacão

Euvaldo Pinho*/CB
Ed. 110 Jun 2020

Relatarei para você uma situação pela qual passei ao navegar da ilha de Saint Croix para a ilha de Saint Martin, no Caribe. Fiz o meu melhor e me entreguei nas mãos de Deus para que Ele comandasse o que deveria acontecer...


Estávamos em dois casais nas Ilhas Virgens Americanas, precisamente na Ilha de Saint Thomas, em um veleiro de 51 pés, curtindo férias e desbravando novos quadrantes quando resolvemos conhecer a ilha de Saint Croix, também americana.

 

O mar estava um pouco agitado, com ondas razoáveis, nada que impedisse uma boa velejada de cinco horas até o destino escolhido, onde, lá chegando, conseguimos passar dias curtindo...


Seguindo indicações locais, rumamos para "Buck Island", área protegida pelo governo dos EUA com a intenção de preservar "um dos melhores jardins marinhos" do mar do Caribe, de águas transparentes, com muita vida, onde mergulhei durante umas duas horas. Nota 10!!! 

 

Durante o jantar planejamos a empreitada para o dia seguinte: zarpar às 16h para as ilhas Virgens Franco Holandesas, especificamente, Saint-Maarten.

  

Até aí tudo perfeito! Pelos cálculos feitos com meu amigo Marcus, velejaríamos toda a noite e ao amanhecer estaríamos chegando. Zarpamos no horário combinado, porém, o mar novamente começou a encrespar-se, com ondas mais fortes e cada vez mais altas.

 

Com bastante atenção, continuamos a velejar. Nós nos molhamos por inteiro, mesmo usando agasalho apropriado para mau tempo. Café e sopa quente previamente preparados, lanches de bordo, Marcus conferindo a navegação, fomos em frente, navegando mais rápido que o previsto, pois ondas fortes significam... ventos fortes!! Eu na roda de leme com Rô (esposa do Marcus) e Rosinha (minha parceira, companheira, namorada, esposa) no apoio total, ficamos todos no comando e na vigilância pelo radar.

 

Como tínhamos consultado a meteorologia que não indicava nada de anormal, seguimos velejando com um "elefante atrás da orelha", pois o mar se engrossava cada vez mais e com muita chuva. Ainda no mar territorial americano começamos a notar uma movimentação anormal de helicópteros da Coast Guard por sobre os barcos navegantes.

 

Quando um dos helicópteros aproximou-se, e alguém de lá nos chamou pelo rádio comunicando que deveríamos nos dirigir para a ilha mais próxima em busca de abrigo, pois estávamos na rota do "rabo de um furacão" (terminologia usada por lá), que no momento atingia a América Central... Frio total na espinha!

 

Mas tínhamos técnica e nos preparamos para colocá-la em prática. Navegar por entre altas e fortes ondas requer a tática de enfrentá-las obliquamente com certa velocidade, retornando ao rumo traçado posteriormente. E foi isso que eu fiz, já que o timão era de minha responsabilidade...

 

A essa altura dos acontecimentos, já com as velas reduzidas e motor em ação, ficamos aguardando o raiar do dia e continuamos, com pouca visibilidade, rumo ao nosso objetivo, Saint Maarten. 

 

Enfim, o famoso "terra à vista" verificou-se com o nascer do dia, graças a Deus, e passamos a dar um bordo de aproximação até a ilha, onde ficamos ancorados à espera da hora em que a ponte levadiça nos daria acesso à Simpson Bay, nosso destino previsto e muito mais abrigado.

 

Via rádio, soubemos que estava proibido pela guarda costeira a saída da ilha de qualquer embarcação até a segunda ordem. Relaxando bastante, pois nunca ninguém da nossa tripulação tinha passado por experiência tão impetuosa com relação a furacões e/ou similares, ficamos aguardando. Enfim já estávamos em mais segurança à sota da ilha. Sota vem de sotavento, que é o lado mais protegido da ilha com relação ao vento.

 

Acionado o aviso sonoro de abertura da ponte levadiça, lá fomos nós pegar lugar na fila para adentrar. Começamos a arrumar o veleiro a fim de atracar na Simpson Bay Resort Marine após confirmação, também via rádio, sobre a posição do nosso atracamento.

 

Devidamente atracado e reforçadas as ancoragens, por causa dos fortes e persistentes ventos, continuamos a arrumação do barco, lavando e abastecendo enquanto a tripulação feminina cuidava de levar o necessário para a lavanderia em terra. A ordem agora era de nos alimentarmos bem e merecidamente ao tempo em que corríamos em busca de informações meteorológicas. Depois, então, pudemos descansar e avaliar pelo que passamos, sem avarias. Fiz minha parte e Deus a dEle, e tudo deu certo!

 

QUARENTENA

Chegamos à conclusão, diante da nossa ignorância do fato e de informações obtidas com os ilhéus, que o furacão atinge uma região, mas pode provocar consequências em outro lugar, que, como já disse anteriormente, por lá chamam de "rabo do furacão": obviamente não tem a força de devastação do próprio furacão, mas, a depender de para onde e quando se desloque, pode também causar danos e consequências desastrosas e obviamente perigosas.

 

Ficamos de quarentena em Saint Marteen, similar à que passamos agora no mundo, no lado holandês da ilha, por cinco maravilhosos dias e cheios de expectativa, apesar dos fortes ventos e da chuva na maior parte do tempo. E fomos visualizar os estragos do último furacão que havia passado por lá dois anos atrás. 

 

Saint Martin e Saint Marteen são espetaculares e talvez exatamente por estarem na rota dos furacões dispõem de entrepostos com bastante peças de reposição para as reconstruções em terra e para as embarcações que possam ser restauradas, pois algumas dão perda total (PT). Foi aí que aproveitamos para adquirir instrumentos e peças para nossos veleiros. Nessa quarentena de cinco dias fizemos de um tudo, inclusive andamos muito em micro-ônibus juntamente com o povo, onde aprendemos e fizemos uma compra no supermercado maravilhosamente abastecido com as apetitosas iguarias francesas e os queijos holandeses para o nosso retorno.

 

Mas o resumo é que vivemos uma situação inusitada, muito tensa. Eu no comando do veleiro usava todo o meu saber aliado à minha experiência e ao bastante bom senso para enfrentar a tormenta. Já não se tratava de responsabilidade, e sim, de resguardar nossas vidas e o nosso patrimônio, ficando numa posição de seriedade, procurando não demonstrar o real medo que pairava no meu interior, procurando encorajar os demais tripulantes que executavam suas tarefas com dignidade e abnegação, nota 10 para todos!!!! 

 

Somente ao chegarmos à terra firme é que soubemos exatamente pelo que passamos... Contra as forças da natureza não somos nada, eis a questão!

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