Palafitas no mar de Celebes
Que tal planejar uma viagem inusitada e inesquecível para quando acabar a quarentena imposta pelo novo coronavírus? Viaje neste texto e nas fotos incríveis do nosso colaborador Euvaldo Pinho que contam a experiência de conhecer uma vila aquática na Malásia. Segundo ele, uma das mais exóticas que já vivenciou
Euvaldo Pinho*/CB
Ed. 109 Mai 2020
Estou enfrentando dificuldades em transferir para vocês minha fantástica experiência revivida na Malásia pelo fato de o local onde me hospedei com meus colegas de mergulho ser tão inusitado: um resort luxuoso e exótico, construído totalmente sobre "palafitas", em cima dos bancos de areia dos recifes localizados a poucos minutos de lancha das Ilhas de Sipadan e Mabul no mar de Celebes (partilhado pela Malásia, Filipinas e Indonésia no Oceano Pacífico).
Esse point é reconhecido como um dos melhores locais de mergulho do mundo e dá acesso a inúmeros lugares espetaculares. Por esse motivo para lá vão, sobretudo, pessoas adeptas do mergulho - casais em lua de mel e grupos, principalmente de japoneses e de coreanos, em busca de descanso ao tempo em que se maravilham com os momentos sui generis de beleza extrema inusitada, tanto no resort quanto embaixo d'água.
Tentem imaginar uma vila aquática composta de embarcadouro, heliporto, sede administrativa, grande restaurante central, lojinhas, bar, estufa com plantas tropicais, praia artificial (na qual só existe areia seca na maré baixa) e imensas passarelas interligando tudo isso à meia centena de bangalôs de construção típica da ancestralidade austronésia, macroarquipélago entre o Sudeste Asiático, a América e a Oceania. E TUDO sobre palafitas, sem nenhum vestígio de terra à vista. Que ideia genial!!! Ficou espetacular!
Só espero que nunca aconteçam por lá tempestades devastadoras. Deverá ser aterrorizador...
Aí está o Kapalai Dive Resort, onde renovamos nossas forças apreciando enormes cardumes de muita variedade de peixes grandes, inclusive as tão famosas barracudas.
Nosso grupo, composto de 13 mergulhadores brasileiros de alto nível, zarpava todos os dias pela manhã em potentes lanchas para os points de mergulhos previamente escolhidos. As lanchas estavam equipadas com nosso material de mergulho e abastecidas com saborosos lanches. Tivemos a eficiente companhia da cinegrafista Samy e do Dive Master local Sun Sun, com os quais fizemos uma grande amizade e posteriormente descobrimos que eram namorados. Nosso entrosamento foi o de "mão e luva do tamanho certo" que mergulhávamos com eles, verdadeiros exemplos de simplicidade e competência.
Para aqueles que não dominam o conviver com as águas do mar, realmente deve ser assustador, e o sentimento pode ser de vulnerabilidade chegar a um local como aquele, mesmo que temporariamente, por constatarem que estão tão somente sobre as águas do mar, sem nenhum ponto de terra firme à vista para buscar abrigo, caso necessário.
Porém, para os amantes da natureza marítima é algo absolutamente incomum e fantástico estar por sobre as águas sem sentir o balanço do mar. Acima, o grande céu e, pelos 360 graus no entorno, o silêncio só quebrado pelo marulhar juntamente com a brisa. E, finalmente, por baixo, as águas transparentes e azuladas do Mar de Celebes no Oceano Pacífico, com sua fauna e flora colorida em eterno movimento.
Aconchego e paz
Ao chegarmos, logo após o check-in, fomos conduzidos por sobre as palafitas para os nossos bangalôs, mais próximos à oficina de mergulho - até aí tudo excêntrico, porém, já vivenciado por mim no Havaí, Taiti e em outros lugares como aquele.
A ficha só caiu realmente quando à noite, após o jantar, constatamos que nada existia ao nosso redor, tanto que o silêncio reinava pela ausência de qualquer outro tipo de som, a paz nos tranquilizava e só nos restava conversar em tom bem baixo a fim de não incomodarmos os demais hóspedes (a bem da verdade, nós brasileiros, com nossa expansividade, incomodamos um pouco, isso é inegável!).
Para que eu possa me expressar melhor, como já participamos de alguns live abord (cruzeiros em barcos construídos e usados especificamente para mergulhos) mundo a fora, bem como nas viagens transoceânicas, no Kapalai, não ouvíamos o som do ar-condicionado - desnecessário - nem o dos geradores de energia, pois dormíamos com as janelas e portas laterais escancaradas para curtirmos o friozinho da madrugada após os mergulhos noturnos, naturalmente.
Creio que aquele foi um dos lugares mais exóticos que já conheci em minha vida. Ali, de todo e qualquer lugar, tínhamos acesso ao mar e as suas criaturas. Saliento que nós, mergulhadores brasileiros, éramos os que mais chamávamos a atenção pela cor da pele altamente bronzeada. Por lá os asiáticos usavam trajes peculiares que cobriam todo o corpo para se protegerem, tipo vestidos longos ou calças e camisas de mangas compridas, indumentárias de banho similares às usadas por nossos avós, além de lenço no cabelo e guarda-sol, usados tanto para os homens como para as mulheres, o que destoava muito de nós.
Chamou-me atenção a arquitetura local com suas casas vernaculares preservando a ancestralidade austronésia, bastante exótica, bela e sustentável, visualizada in loco quando visitamos as ilhas mais próximas. Além do aconchego, o Kapalai nos transmite um certo ar de paz, tranquilidade e respeito. Por lá não existe nenhuma placa solicitando silêncio - particularmente admiro muito a educação e o respeito do povo asiático.
Nosso bangalô tinha uma parte do chão em vidro transparente para que tivéssemos um interessante e constante contato visual com o mar e seus habitantes em tempo integral, bem como um acesso particular por meio de uma pequena escada interna, para que pudéssemos a qualquer momento nos banhar com privacidade.
Em nossos mergulhos com excelência, os enormes cardumes de grandes espécies de peixes tiveram renomado destaque tanto quanto os pequenos e coloridos peixes endêmicos, que por várias vezes me fizeram atrasar o grupo na tentativa de um melhor ângulo de perspectiva a fim de tentar realizar "a foto perfeita". Tanto quanto também os lindos corais povoados por infinitos espécimes encontrados aos borbotões (tive muito trabalho em selecionar as fotos para esta edição dentre as mais de 2.500 clicadas!).
Vale muito a pena viajar para lá em busca de paz e, principalmente, para fugir dos roteiros normais que todos nós fazemos. Mas o fato é que poucos podem experimentar aquela beleza típica e inusitada, além de degustar a excelente comida malaia, e, de quebra, fazer mergulhos com ou sem cilindro, e, quem sabe, por lá iniciar um curso de mergulho. Não só recomendo, como afirmo: aquele é um dos poucos lugares no mundo que com certeza penso em retornar mais uma vez, um dia, pois ainda tenho muitas coisas e lugares para conhecer por lá. Apesar de muito longe e caro, É IMPERDÍVEL! Vemo-nos Por Aí!