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Momentos de tensão em alto mar

Nosso colaborador Euvaldo Pinho faz um paralelo entre o inesperado que surgiu após a chegada do coronavírus e um momento que vivenciou em alto mar: ter calma é a ação mais importante em momentos de pânico

Euvaldo Pinho*/CB
Ed. 108 Abr 2020

Aproveitando a quarentena do coronavírus e impedido de viajar temporariamente, vou relatar a vocês um momento de extrema tensão que passei em alto mar semelhante ao que vivemos agora diante da incerteza de como conduzir o inesperado e, logo após, como adotar uma solução adequada.

 

Tudo aconteceu durante uma travessia noturna velejando da Itália para a Tunísia em um veleiro de 51 pés. Eram quatro casais os tripulantes.

 

Eu, como advogado e navegador, bem sei das obrigações no mar e das consequências pelo seu descumprimento por qualquer navegador. Porém, em águas internacionais num momento de inusitada surpresa e possível extremo perigo é muito difícil seguir os procedimentos à risca, especialmente se existe o risco iminente de se perder a vida.

  

Zarpamos no fim da tarde da ilha de Pantelleria, na Itália, rumo ao continente africano, mais especificamente Tunísia, para a cidade de Sidi Bou Said. 

 

A tática escolhida foi a de sairmos à tardezinha, já descansados, para navegarmos no início da noite, complementando depois mais um dia e uma noite com tempo suficiente para alcançarmos nosso porto de destino ainda com a luz do dia.

 

Reza a cartilha do bom navegador que só devemos adentrar num porto, principalmente se for ele desconhecido, durante o dia. Saliento que deveríamos ter muita atenção, pois cruzaríamos todo o tráfego marítimo para termos acesso ao Mar Vermelho-Mar Mediterrâneo, com grandes navios e fluxo intenso.

 

Na segunda noite, já próximos à costa africana, navegando com bons ventos que entravam pela aleta de Boreste (vento que chega pela lateral direita e um pouco à popa do barco), como o pior que já tinha passado (pois não estávamos mais na zona de trafego marítimo intenso), ainda sem acesso visual à costa, começando os turnos noturnos, sofremos um impacto de grande monta na proa (frente) do veleiro!

 

O SUSTO

Eu estava timoneando em uma excelente velocidade com vento a favor quando abalroei algo que nos freou instantaneamente. Lembro que já era noite.

 

Após alguns segundos, já se levantando e se recuperando do susto, os que tinham ido ao chão correram para a proa a fim de ver o que tinha causado o impacto amaciado, porém bem forte no costado. 

 

Lanternas acesas pelo convés, alguém grita: abalroamos um barco, um barco a motor que está preso ao nosso veleiro! Imediatamente tratamos de retirar a tensão das velas, soltando as escotas (cabos que servem para regular as velas) e de ligar o motor do nosso barco, pois continuávamos sendo freados, presos a uma lancha.

 

Começamos a nos desprender da lancha de casco de vidro e bordos infláveis, de médio porte, com potente motor de popa e passamos - quase em estado de pânico - a verificar se tinha alguém a bordo e se estava machucado. Afinal de contas, não é a todo momento que se encontra em alto mar uma lancha à deriva.

 

Não conseguindo visualizar nenhum corpo humano na água ou na lancha e, de imediato, fomos realizar uma minuciosa vistoria em nosso veleiro para sabermos de possíveis avarias, principalmente se estava entrando água, se havia algum rombo no casco.

 

Muita calma nessa hora... Respiramos fundo, todos a bordo, e incólumes. Nosso forte veleiro estava com pequenos arranhões, nada mais.

 

Passamos a deliberar: baixar as velas e retornar para uma minuciosa vistoria na lancha abalroada?  Seguir nosso caminho com a certeza de nossa total inculpabilidade e de que tínhamos feito o que nos foi possível, que só seguimos ir adiante por não ter ninguém a bordo da lancha e não termos condições de rebocar outra embarcação do mesmo porte que o nosso?

 

Optamos pela segunda alternativa. Acreditamos ou queríamos acreditar que naquele momento tinha sido uma embarcação que garrou (quando uma embarcação se afasta do porto onde estava fundeada aleatoriamente) de alguma poita. Caso contrário, teríamos, ao atracar, de ter que fazer parte de inquérito marítimo para apuração do ocorrido, à noite em um país estrangeiro, um fato inusitado, e fugimos dessa possibilidade...

 

Nessa noite ninguém mais dormiu, a imaginação ficou a divagar pelo universo das possibilidades e do que poderia advir disso caso algo desse errado ou desconfiassem que estávamos envolvidos nesse incidente e a situação fosse oriunda de algo criminoso. 

 

Enfim, alcançamos terra, seguimos a tramitação legal de pedido de ingresso em território tunisiano. Respiramos aliviados, pois nada soubemos de ruim que porventura tivesse acontecido. Realmente foram acertadas as decisões tomadas a bordo. Vivas à experiência e à calma necessárias nas tomadas de decisões!

 

Confesso que nunca passei por surpresa maior que essa, e olhe que já estive em riscos iminentes, tais como: abalroamentos em regatas na Bahia, encalhes no Caribe e tempestades diversas por mares a fora a ponto de ficarmos em "árvore seca" (ter que baixar todos os panos tendo em vista ventos muito fortes).

 

Mas vamos admitir, em plena travessia do Mar Mediterrâneo colidir com outra embarcação à noite é algo "surreal", inusitado, absurdo, é achar uma agulha no palheiro. E mais: não foi fácil me controlar e acalmar todos a bordo respondendo o que nem eu sabia, tendo que tomar as deliberações necessárias, já que eram minhas as responsabilidades, pois era eu quem estava no comando da embarcação.

 

Em uma fração de segundos passaram por meus pensamentos mil e uma possibilidades que eram eliminadas uma a uma, até que senti que o pior tinha sido vencido e não tivemos nenhuma avaria! 

 

Moral da história: toda a atenção é pouca ao navegar, principalmente ao navegar com piloto automático - o inusitado também acontece. E, no momento de todo e qualquer acontecimento, muita calma. Primeiramente, é preciso avaliar os problemas e seus possíveis danos para, só então, tomar as providências, priorizando as vítimas, caso existam, delegando tarefas a serem cumpridas a quem tenha capacidade de resolvê-las. 

 

E seguimos nos vendo “POR AÍ”!!

Piramide de Vidro do Louvre.jpg
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