.png)

Internet
Vaidade perigosa
TRF1 declara nula resolução do Conselho Federal de Farmácia que autorizava farmacêuticos a realizarem procedimentos estéticos
Daniela Garcia/Thainá Salviato | Ed. 87 Abr 2018

O brasileiro é um dos povos mais vaidosos do mundo. A cultura do corpo ideal e a busca pela juventude eterna movimentam clínicas de estética e consultórios médicos. A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBPC) divulgou, no ano passado, os dados do Censo 2016 da SBPC, em que entrevistou 1.218 associados, de todas as regiões do País. O levantamento indicou que a procura por procedimentos estéticos não cirúrgicos aumentou em 390% nos anos de 2015 e 2016.
Mas, apesar do nome, os procedimentos não cirúrgicos não são livres de riscos. Mesmo assim, tratamentos como preenchimentos faciais, peeling, laser e remodelação facial são oferecidos por profissionais não médicos.
Há cerca de um ano, a comerciante Andresa Lannes se olhou no espelho e não gostou do que viu. Insatisfeita com as pequenas bolsas embaixo dos olhos, procurou por um preenchimento que pudesse resolver o pequeno problema estético. Na clínica onde decidiu fazer o tratamento foi orientada a realizar o procedimento também na região da boca.
O problema é que tudo foi feito por uma pessoa que não era profissional da área médica, e depois de cinco dias da realização do procedimento Andresa percebeu que tinha alguma coisa errada, pois apareceu uma marca feia no local das aplicações. “Procurei um pronto-socorro, e a pessoa lá me disse que era um abscesso por inoculação de bactéria ou pelo produto ou pela forma que foi aplicado ou as três coisas ao mesmo tempo. Aí a gente viu que era grave. Eu fiz o procedimento para melhorar a aparência, e deu tudo errado. Estou praticamente há um ano em tratamento. Tomei muitos antibióticos, fiz 18 drenagens, fui a dermatologistas, cirurgiões e estou tentando a reabilitação”, conta a comerciante.
Hoje, ela se arrepende de não ter procurado um médico para fazer o procedimento estético e acredita que muitos problemas poderiam ter sido evitados com a escolha do profissional adequado: “eu deixei de trabalhar, deixei de participar de eventos, porque o rosto estava bom e de repente saía o pus. Tem a questão da dor, do psicológico, tem vários fatores que me prejudicaram. Eu acho que só quem pode fazer mesmo esse procedimento é médico dermatologista ou cirurgião, porque a pessoa pode te acompanhar no pós-operatório”.
Polêmica – E é justamente isso que o Conselho Federal de Medicina (CFM) busca: que apenas médicos realizem procedimentos estéticos, pois muitos desses tratamentos são bastante invasivos. Recentemente, o CFM questionou, na Justiça, uma resolução do Conselho Federal de Farmácia (CFF) que autorizava o farmacêutico a fazer intervenções dermatológicas estéticas, como peeling e laserterapia. “No caso do médico, ele faz seis anos de faculdade e mais cinco de especialização. Um profissional que tenta adentrar em uma área em que ele não está qualificado poderá trazer risco para a sociedade e causar uma lesão irreversível. Tratamento e diagnóstico são prerrogativas do médico, não podem ser realizados por outro profissional”, afirma o diretor-tesoureiro do CFM, Hiran Gallo.
Esse é o mesmo entendimento do TRF1. Ao analisar o caso, a 7ª Turma considerou que o CFF, mediante aquela resolução, atribuiu competência não prevista na lei que regulamenta a profissão de farmacêutico. O Colegiado, por unanimidade, declarou a nulidade da norma.
A relatora, desembargadora federal Ângela Catão, ressaltou que os profissionais não médicos estão impedidos de praticar atos médicos em procedimentos estéticos considerados invasivos, em maior ou menor grau, e que, portanto, não há respaldo legal nas regulamentações emitidas pelos conselhos. Ela acrescentou que botox, peeling, preenchimentos e outras intervenções rompem as barreiras naturais do corpo e podem resultar em lesões e até na morte do paciente.
O advogado Frederico Minervino Dias Sobrinho, especialista em Direito Médico, em entrevista à Primeira Região em Revista, destacou que o artigo 5º da Constituição Federal de 1988, em seu inciso XIII, determina que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Ele enfatizou que “uma resolução não pode e não estará nunca acima de uma lei. Se a lei diz que a competência é aquela, não pode um colegiado do próprio conselho estender essa competência”.
Assim sendo, Frederico enfatizou, nos termos dos princípios constitucionais, que o indivíduo é livre para desempenhar qualquer profissão desde que essa pessoa esteja apta nos termos da lei, não de resolução, para exercer a atividade profissional.
O presidente do CFF, Walter Jorge João, em defesa da instituição, afirmou que já entrou com recurso questionando a decisão do TRF1. “Nós temos que descartar sempre essa busca de reserva de mercado, isso é condenável. As outras profissões têm condições de exercer, e na nossa proposta não há nada considerado invasivo”, argumentou ele.
Ressalta o dermatologista Gilvan Alves que até mesmo o peeling, se feito de forma inadequada, pode causar riscos ao paciente: “o risco inerente aos peelings é aplicar substância errada para a patologia. Você tem que saber fazer o diagnóstico correto. Cada profissional fazendo o seu trabalho. Eu costumo comparar com o engenheiro, arquiteto e decorador. Todos trabalham na construção civil, cada um na sua casa, mas cada um com sua função. Quando todos trabalham em harmonia, a casa fica um espetáculo; mas se um invade a área do outro, a casa pode cair”.
A comerciante Andresa reforça seu arrependimento, ainda sofre com as consequências e alerta que todo cuidado é pouco. “Agora, neste momento, independentemente de dinheiro, porque com todo dinheiro do mundo, ainda assim eu não posso fazer nada por conta de um procedimento errado que eu fiz lá atrás e que ainda tem edema, inflamação. Então, só posso esperar. Eu não sou uma pessoa leiga e deveria ter ficado mais esperta e me informado melhor, independentemente de uma amiga ter feito e ficado maravilhoso, porque tudo é risco”.
A comerciante Andresa Lannes se arrepende de não ter procurado um médico
para realizar o procedimento

Tratamento e diagnóstico são prerrogativas do médico, não podem ser realizados
por outro profissional”, afirma o diretor-tesoureiro do CFM, Hiran Gallo

Especialista em Direito Médico, advogado Frederico Minervino Dias Sobrinho

Presidente do CFF, Walter Jorge João

O dermatologista Gilvan Alves ressalta que até mesmo o peeling, se feito de forma
inadequada, pode causar riscos ao paciente