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Direito à informação
Empresa é multada por alterar composição de produto sem informar o consumidor
Luma Bessa/TS | Ed. 93 Out 2018
Ao comprar produtos no supermercado, cerca de 40% da população brasileira não confere atentamente a tabela nutricional na embalagem, segundo pesquisa do DataFolha de 2016. Essa tabela é uma importante fonte de dados para o consumidor, contendo os ingredientes, a data de validade e demais informações nutricionais sobre aquele alimento. Prestar atenção nesse detalhe na hora de escolher os alimentos na prateleira é fundamental.
Pessoas que precisam de atenção especial na hora de escolher alimentos, como os intolerantes à lactose e ao glúten, os diabéticos e os hipertensos, podem ter dificuldade em identificar a composição dos produtos comercializados, pois algumas empresas ignoram a legislação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
A Resolução de Diretoria Colegiada da Anvisa n°259, de 23 de setembro de 2002, prevê que todo alimento que seja embalado na ausência do cliente deve ser rotulado. A embalagem deve conter, segundo o Regulamento Técnico, a denominação de venda do alimento, a lista de ingredientes, o conteúdo líquido, a identificação da origem, o nome ou razão social e o prazo de validade.
Nem sempre as empresas respeitam essa legislação. Por exemplo, no Rio de Janeiro, mais de 60% dos 3.100 rótulos de alimentos analisados pela Subsecretaria de Vigilância, Fiscalização Sanitária e Controle de Zoonoses (Subvisa) do município do Rio foram classificados como insatisfatórios nos últimos três anos, segundo o Jornal “O Globo”.
A servidora do TRF1 Irani Pierre sofreu com essa negligência das empresas. Há quatro anos, ela descobriu que o motivo que a fazia passar mal frequentemente estava relacionado aos alimentos consumidos. “Eu tinha anemia, gastrite, retenção de líquido, crise de enxaqueca, e todos esses sintomas se confundiam muito. Eu tratava, e nada funcionava; até que descobri a intolerância ao glúten”, conta a servidora.
Ela precisou, então, mudar a alimentação. No mercado, começou a olhar os rótulos de todos os produtos para saber a composição. Segundo ela, é preciso que seja muito claro no rótulo que o produto tem aquele elemento, não só por uma questão de alimentação mas de saúde. “A empresa que não trata isso com seriedade pode trazer até risco de morte para uma pessoa”, argumenta ela.
Existem também legislações para casos específicos, como o de Irani, previsto na Lei 10.674, de 16 de maio de 2003, que obriga os fabricantes de produtos alimentícios a informarem sobre a presença de glúten como medida preventiva e de controle da doença celíaca. O alimento deve conter a informação explícita de que “contém glúten” ou “não contém glúten”.
A advogada Simone Magalhães explica que, em virtude de problemas assim, em 2015, uma Resolução da Anvisa (n ° 26, de 2 julho de 2015) estabeleceu requisitos para rotulagem obrigatória dos principais alimentos causadores de alergias alimentares. Os alimentos e bebidas que contêm trigo, centeio e cevada, crustáceo, ovo, peixe, amendoim, entre outros, têm que conter essa informação em sua embalagem.
Além disso, o consumidor também precisa ser alertado quando há mudança na composição do produto. “O que se espera de uma empresa que preza pela relação equilibrada é que a informação venha expressa no rótulo de que mudou a composição para que o consumidor decida se mantém a compra do produto ou preferirá outro”, ressalta a advogada.
Infelizmente, nem sempre isso acontece. A Nestlé Brasil Ltda. foi multada recentemente porque alterou a formulação da Farinha Láctea sem informar o consumidor sobre a mudança do alimento. O caso foi parar na Justiça. Em primeira instância, a 4ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal negou o pedido da empresa para anular a penalidade imposta pela Secretaria de Direito Econômico.
A empresa recorreu, então, ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, alegando que a multa é indevida porque a venda do produto sob a nova composição só ocorreu depois da autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), atendendo às exigências contidas nas normas vigentes. A Nestlé argumentou, ainda, ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que não existe lei determinando que a empresa atue de forma diferente no tocante à alteração da composição do produto.
As razões da instituição foram rejeitadas pela 5ª Turma do TRF1. Ao analisar o caso, o relator, juiz federal convocado Pablo Zuniga Dourado, destacou que é “justificada a imposição da multa aplicada à apelante porque, segundo consta dos autos, houve modificação na composição do produto Farinha Láctea Nestlé sem a adequada informação ao consumidor, violando-se, assim, o princípio da boa-fé objetiva, do direito à informação e dos deveres de transparência, razoabilidade e decência que devem presidir as relações de consumo”.
O Colegiado destacou, ainda, que a penalidade foi fixada com fundamento no Código de Defesa do Consumidor (CDC), com base na Lei 8.078/1990, por não ter sido dada a devida informação aos clientes. E afirmou que o valor da multa em mais de R$ 500.000,00 foi calculada de acordo com a gravidade da infração, a vantagem obtida pela empresa e sua condição econômica, requisitos previstos no art. 57° do CDC.
Em nota, a Nestlé informou que não comenta casos sub judice e reforçou que atende, rigorosamente, às exigências legais aplicáveis à rotulagem dos produtos, inclusive quanto à alteração de fórmula.
Bebidas alcoólicas – Como visto, no caso dos alimentos tem sido cada vez mais divulgada a importância do hábito de conferir as embalagens e rótulos e de fiscalizar a informação dos ingredientes presentes nos produtos alimentícios. Mas e quando se trata das bebidas alcoólicas, como a cerveja, por exemplo, será que existe a mesma necessidade?
Os principais ingredientes da cerveja são água, levedura, lúpulo e malte, que é um cereal. Na produção da maioria dessas bebidas a cevada maltada é o cereal mais utilizado, mas existem outras variedades. O cervejeiro Flávio Barboza explica que “a própria legislação diz que precisa ter sempre uma base superior de malte, normalmente cevada ou malte de trigo. Mas você pode utilizar outros componentes como rapadura, milho, mandioca ou qualquer outra fonte de açúcar”.
É exatamente aí que pode surgir o problema: nesses outros ingredientes que a maioria das marcas não menciona nos rótulos. Ao comprar uma cerveja, hoje, e consultar o rótulo, é possível verificar que constam na lista apenas os ingredientes básicos e de forma genérica. Essa falta de informação motivou um consumidor a entrar como uma representação contra o fornecedor, questão que virou caso de justiça.
“Nós recebemos uma representação de um consumidor questionando a falta de rotulagem das cervejas comercializadas dentro do território nacional. Resolvemos investigar e verificamos que havia mesmo uma ausência de regulação por parte do Ministério da Agricultura que obrigasse as cervejas a adequarem seus rótulos, fornecendo quais são os ingredientes que a cerveja possui”, conta a procuradora da República Mariane Guimarães.
A Justiça Federal de Goiás decidiu, ao apreciar a ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal, que as cervejarias Ambev, Brasil Kirin (Heineken) e Cervejaria Petrópolis terão que trocar os rótulos de suas cervejas para informar os ingredientes usados em suas formulações.
De acordo com o juiz federal Juliano Taveira Bernardes, da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Goiás (SJGO), os rótulos devem "ter informação clara, precisa e ostensiva quanto aos respectivos ingredientes, substituindo-se a genérica expressão 'cereais não malteados/maltados' pela devida especificação do nome dos cereais e matérias-primas efetivamente utilizados”.
E, assim como nos alimentos, nas cervejas e em demais bebidas alcoólicas é essencial que os rótulos apresentem a descrição detalhada de todos os ingredientes utilizados, pois eles podem trazer riscos à saúde.
O milho, o trigo e a cevada presentes em muitas dessas bebidas estão entre os principais vilões da alergia alimentar. Para proteger o consumidor, o Ministério Público ajuizou uma ação na Justiça Federal de primeira instância e pediu que fosse feita uma regulamentação que exija do fabricante as informações nos rótulos dos produtos. Para resolver o problema, foi firmado um acordo entre as empresas cervejeiras, o Ministério da Agricultura e a União. “Nessa medida, do ponto de vista do Ministério da Agricultura, fica a obrigação de tornar normatizada quais são exatamente os procedimentos necessários dos fabricantes, e para a União fazer esse acordo está também numa política de redução de litígios, uma política de tornar mais ágeis e mais céleres as decisões judiciais”, destaca o procurador regional da União da 1ª Região Raphael Ramos.
O coordenador-geral de vinhos e bebidas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Helder Moreira Borges, explica que, com a norma, as empresas terão que identificar no rótulo tudo o que tem na cerveja, medida que entra em vigor um ano após a publicação da nova regra. “Existe uma legislação, só que ela não está clara em relação à obrigatoriedade da discriminação dos adjuntos cervejeiros na lista de ingredientes da rotulagem das cervejas. A partir dessa determinação é que nós estamos finalizando a elaboração da norma para encaminhar para publicação”.
Depois de publicada, a nova legislação entrará em vigor no prazo de um ano.

A servidora Irani passou a olhar os rótulos de todos os produtos após descobrir
distúrbio alimentar
Ascom/TRF1
A regra de convocação afastou Hudson Bruno Carvalho foi da sonhada
formação acadêmica

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A advogada Simone Magalhães destaca que a Anvisa estabeleceu requisitos para rotulagem
obrigatória dos principais alimentos causadores de alergias alimentares

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O cervejeiro Flávio Barboza explica que, além da cevada, outros componentes
podem ser utilizados na produção da cerveja

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A procuradora Mariane Guimarães indentificou ausência de regulação
que obrigasse as cervejas a adequarem seus rótulos

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O procurador regional da União Raphael Ramos fala sobre acordo firmado para que
todas as informações estejam nos rótulos dos produtos

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Helder Moreira Borges explica que, com a nova norma, as empresas terão que identificar no rótulo tudo o que tem na cerveja