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Direito a inclusão
Deficiente visual garante na Justiça direito de trocar de apartamento para atender a necessidades especiais
Daniela Garcia e Thainá Salviato | Ed. 91 Ago 2018
O último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que no Brasil há mais de 45 milhões de pessoas com deficiência (PCDs), o que representa 24% da população.
Diariamente, essas pessoas lutam para conseguir acessibilidade em todas as áreas da vida social, profissional e pessoal. Apesar de o Brasil ser signatário da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e a legislação brasileira estar avançada nessa área, a efetivação dos direitos das PCDs ainda encontra muitos obstáculos na prática.
As dificuldades são muitas e de toda a ordem: calçadas estragadas, falta de avisos sonoros no trânsito, falta de rampas de acesso adequadas para acesso a prédios públicos, transporte público sem adaptação ou com elevadores danificados e sem manutenção.
Além de todos esses entraves em espaços públicos, as barreiras também estão presentes em ambientes privados e causam exclusão em áreas da vida privada, como na sonhada aquisição da casa própria.
Acessibilidade começa em casa – A professora de Nutrição Denise Braga perdeu a visão aos 24 anos de idade em consequência de uma doença crônica, a diabetes. Ela precisou se adaptar à nova realidade, e no apartamento colocou marcas nos interruptores para identificar quando as luzes estão acesas, separou os sapatos pelas cores, organizou roupas, eletrodomésticos e fez tudo que pôde para facilitar a rotina, mas ainda encontra dificuldades. “Ainda tenho muita dificuldade, tipo data de validade de produtos, eu sempre preciso da minha mãe”.
No prédio em que ela mora também foram feitas adaptações: colocaram rampas de acesso, e no elevador os números estão em braille. Mas na rua, a situação é bem diferente. “Acessibilidade eu acho que é a principal dificuldade, porque são bueiros, calçadas quebradas, sinal sonoro que não funciona ou não existe. Então, a questão da acessibilidade é a maior dificuldade por que a gente passa’, conta Denise.
Essas são barreiras enfrentadas pelos deficientes visuais, e alguns destes ainda precisam encarar outros problemas até mesmo em casa. Em Manaus, uma mulher deficiente visual se inscreveu em um programa que subsidia a compra de imóvel próprio e foi convocada para apresentar a documentação referente a uma unidade no térreo. Ela havia pedido a troca do apartamento alegando que o local mais baixo era inseguro, inadequado e impróprio para mobilidade e sem privacidade para ela, que não enxerga. A Superintendência Estadual de Habitação (Suhab) aceitou a mudança, mas a Caixa Econômica Federal (CEF) negou o pedido da requerente.
O caso veio parar no TRF1. A instituição financeira alegou que o imóvel situado no térreo era de fácil acesso para pessoas com necessidades especiais e que não há garantia de que a mudança para o andar superior ofereça a segurança alegada. Além disso, não haveria laudo médico ou pericial comprovando a necessidade da troca.
Entretanto, ao analisar o caso, a 5ª Turma do Tribunal, por unanimidade, garantiu à mulher o direito de mudar de unidade. O Colegiado ressaltou que o apartamento pretendido estava disponível e que não há necessidade de prova pericial, já que a Caixa entendeu, desde o início, pelo não preenchimento dos requisitos legais para a troca.
A relatora, desembargadora federal Daniele Maranhão, destacou que a exigência de laudo médico que comprove a necessidade de mudança viola a dignidade da autora no aspecto de sua autonomia.
Segundo a magistrada, a conduta da Caixa não encontra amparo legal nem constitucional e não pode sequer ser aceita em termos de princípio de razoabilidade e de concordância prática.
O advogado Cezar Britto explica que o Brasil firmou compromisso de inclusão social há mais de 10 anos: “tratar os iguais com igualdade e os desiguais com desigualdade na medida em que se desiguala, e o Brasil fez isso em 2008 quando subscreveu uma convenção internacional de proteção às pessoas com deficiência, e a partir daí assumiu o compromisso público da inclusão. Uma vez credenciada a cidadã a ter uma casa, ela pode ingressar nesse grupo que o Estado se comprometeu legal e internacionalmente a incluir. O Estado tem a obrigação de incluir, tem obrigação de fazer adaptações quando requeridas para uma acessibilidade real”.
Denise concorda e acredita que as necessidades de cada pessoa devem ser observadas. “Acho que cada caso é um caso, cada deficiência é uma deficiência. Então, acho que não tem que generalizar. É por isso que as pessoas recorrem à Justiça, porque o direito é dado, e acredita-se que, como no meu caso, quando a pessoa recebe o imóvel, acabou o direito”.
Em nota, a Caixa Econômica Federal informou que não vai recorrer da decisão judicial, mas que pauta suas ações com o objetivo de preservar o princípio da impessoalidade e da observância às regras previstas em lei.

A cozinheira Sara Ferreira foi uma das muitas vítimas de erro médico
Ascom/TRF1

Ascom/TRF1
O Estado tem a obrigação de incluir, tem obrigação de fazer adaptações quando requeridas
para uma acessibilidade real, afirma o advogado Cezar Britto