Do vermelho
para o verde vermelho
Tribunal Regional Federal da 1ª Região inicia projeto de educação financeira com foco na qualidade de vida dos servidores
Larissa Santos | Ed. 106 Fevereiro 2020
Ter casa própria, trocar de carro, fazer viagens...; alcançar objetivos como esses pode representar uma vida financeiramente tranquila. Porém, estudos apontam que grande parte dos brasileiros não vive essa realidade.
De acordo com a Serasa Experian, em agosto de 2019, o Brasil bateu recorde de pessoas endividadas: 63,4 milhões, o que significa dizer que cerca de 40% da população tem dívidas, totalizando um aumento de 2,5% se comparado ao mesmo período de 2018.
Os brasileiros com idade entre 40 e 51 anos são os que mais têm contas atrasadas, contabilizando 12,6 milhões de pessoas inadimplentes. O ranking é seguido por idosos (9,6 milhões), adultos entre 51 e 60 anos (8,8 milhões) e jovens entre 18 e 25 anos (8,5 milhões).
Entre os estados brasileiros mais inadimplentes, Roraima lidera com 58,1% da população adulta endividada, seguido por Amapá (52,5%), Amazonas (52%), Acre (50,5%), Rio de Janeiro (47,2%), Mato Grosso (46,3%), Tocantins (44%) e Distrito Federal (43,7%).
O segmento que tem maior representatividade na inadimplência dos brasileiros é o de bancos e cartões. Em junho de 2019, a categoria representou 29,2%, com crescimento de 0,9 pontos percentuais ano a ano.
Para o economista da Serasa Experian Luiz Rabi, esse aumento se deve ao fato de as pessoas continuarem a tomar crédito para quitar outras dívidas até chegarem ao ponto em que não conseguem pagar o empréstimo.
Dívidas no serviço público
Salário garantido e estabilidade financeira são atrativos da carreira pública que costumavam ser sinônimos de tranquilidade para a vida. Porém, no fim de 2017, 29% dos servidores federais e estaduais estavam inadimplentes.
Apesar de parecer um percentual relativamente baixo, o número preocupa principalmente por estar bem próximo à média brasileira. Além disso, segundo o gerente de soluções e estratégia da Serasa Experian, Heber Filho, as maiores causas para a inadimplência são o descontrole financeiro e o desemprego, mas, no caso da carreira pública, o desemprego é praticamente inexistente.
Heber destaca que, quanto ao tipo de endividamento, o maior volume recai sobre cartão de crédito e modalidades como o empréstimo consignado, seguindo a tendência geral da população brasileira.
Não é à toa que a busca pelo crédito tem crescido cada vez mais. Entre julho de 2018 e de 2019, o Indicador de Demanda do Consumidor por Crédito da Serasa Experian apontou avanço de 24% na procura por crédito, o que significa o terceiro maior crescimento já apresentado no indicador desde o início da série histórica, em janeiro de 2008.
Como reflexo disso, o endividamento aumenta ano a ano. Segundo dados do Banco Central (BC), em 2018, servidores da União, de estados e de municípios deviam R$180 milhões por operações de crédito consignado. Já em outubro de 2019, esse valor alcançou os R$212 milhões.
Entre os servidores federais, o índice de inadimplência alcança os 69%, de acordo com a Serasa Experian. Já entre os estaduais, a porcentagem é de 37%. As mulheres em carreira pública, em geral, devem menos que os homens: 25,7% contra 31,7%, respectivamente.
A faixa etária com maior taxa de endividamento, segundo a Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc), é a de jovens e jovens-adultos, de 18 a 30 anos, que representa 37,3% dos servidores públicos inadimplentes.
Fonte: Associação Nacional das Empresas de Recuperação de Crédito (Aserc)
Causas e consequências
Apesar de ser uma das mais frequentes, a demanda por crédito não é a única responsável pelo endividamento. Segundo especialistas em finanças, outros fatores contribuem para a inadimplência que atinge muitas famílias brasileiras.
A má administração financeira é um dos principais fatores. Para o educador financeiro Kleber Stumpf, “quando alguém não sabe muito bem o quanto ganha e o quanto gasta, administrar as finanças pessoais passa a ser uma tarefa muito difícil, para não dizer impossível”.
Outras questões também são apontadas por Kleber como causas da inadimplência, tais como: inexistência de uma reserva de emergência, consumo excessivo, desemprego/falta de renda e financiamentos excessivos.
Atitudes como essas podem levar a consequências indesejadas para qualquer pessoa. A começar pela ausência de crédito, já que quanto mais dívidas em atraso menor é o nível de confiabilidade que as empresas de crédito têm em relação ao solicitante.
Pessoas endividadas tendem a solicitar cada vez mais crédito para quitar as dívidas, porém, quanto menor a confiabilidade, maiores são os juros das parcelas, podendo aumentar a inadimplência e ocasionar uma bola de neve financeira.
Mas, muito além de o nome sujo na praça, o desequilíbrio financeiro pode trazer graves consequências para a vida das pessoas que têm dívidas atrasadas.
Conforme um estudo realizado pelo Instituto Locomotiva, que atua desde 2016 na área de pesquisa e estratégia de mercado, em 2019, 54,8 milhões de brasileiros declararam que perderam o sono por dívidas atrasadas; 54,1 milhões disseram que tiveram a autoestima afetada e 45,3 milhões tiveram redução no apetite. Comportamentos assim ocasionam estresse, provocam ansiedade, interferem em relacionamentos e podem causar até mesmo depressão.
A carreira profissional também é afetada nesse contexto. Mais de 53 milhões de pessoas afirmam que a inadimplência atrapalha o rendimento no trabalho. “A organização e a execução das tarefas são comprometidas, porque a pessoa perde a concentração”, esclarece Meg Gomes[1], psicóloga e educadora financeira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, a pesquisa mostra, na prática, que a inadimplência ultrapassa o campo econômico e se revela também um problema social. “A inadimplência é quase uma epidemia que, infelizmente, tem afetado um número crescente de brasileiros, como demonstra esse estudo”, declara Meirelles.
DICAS PARA SAIR DA INADIMPLÊNCIA
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Anote tudo. Para ter o controle das suas contas, lembre-se de anotar todos os gastos. Assim, você saberá exatamente para onde o seu dinheiro está indo. Outro ponto é não se perder em meio a vários pagamentos que precisam ser feitos.
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Organize o orçamento. Uma atitude fundamental para sair do vermelho e se livrar das dívidas é organizar o seu orçamento. Você pode usar um aplicativo de telefone, uma planilha no computador ou até mesmo um caderno.
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Priorize seus gastos. Não se esqueça de que todo mês existem gastos não-variáveis, como as contas e impostos. Por isso, se organize para pagar essas contas e priorize aquilo que é necessário para o seu mês.
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Negocie com os credores. Com o orçamento em ordem e com as economias de corte de gastos ou renda extra, procure os seus credores. Com dinheiro na mão é mais fácil negociar e conseguir desconto.
Fonte: Serasa Experian
Educação Financeira
Convicto de que as dívidas têm reflexos na saúde física e mental dos trabalhadores, o presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin) e pós-doutor em finanças, Reinaldo Domingues, acredita que é primordial que as empresas invistam em educação financeira para os seus funcionários.
Nesse sentido, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por meio da Divisão de Planejamento (Dipla); da Divisão de Pagamento de Pessoal (Dipag); da Seção de Promoção da Qualidade de Vida no Trabalho (Sevid); da Secretaria de Planejamento Orçamentário e Financeiro (Secor); da Seção de Ações Educacionais Presenciais (Sedup) e da Assessoria de Comunicação (Ascom) desenvolveu um projeto que prioriza a educação financeira de seus colaboradores.
O intuito é proporcionar qualidade vida ao corpo funcional do TRF1, prevenindo problemas com autoestima, de relacionamento e emocionais, além de melhorar o ambiente profissional e preservar a produtividade daqueles que atuam direta e indiretamente na prestação de serviços jurisdicionais à sociedade.
A primeira iniciativa do projeto foi o curso “Ciclo de Finanças: Planejando 2020”, ministrado pela psicóloga, educadora financeira e diretora da Dipla, Nádia Santana, com o objetivo de proporcionar aos participantes a criação de reserva financeira pessoal.
Desenvolvida por três meses, a capacitação ocorreu de novembro de 2019 a fevereiro de 2020 e contou com a participação de servidores do TRF1 que foram selecionados a partir da manifestação de interesse em participar do curso. Ao todo, foram sete encontros quinzenais.
O evento girou em torno do Ciclo da Tranquilidade Financeira (TEF), que diz respeito ao caminho percorrido para alcançar um objetivo. No primeiro encontro, cada participante definiu uma meta financeira para ser alcançada nos três meses de capacitação.
Nádia explicou e reforçou, durante as aulas, a importância de se estabelecer uma meta SMART, ou seja, específica, mensurável, atingível, relevante para quem está planejando e ter prazo definido para ser alcançada.
Inserir arte Meta SMART (Crédito: Reprodução/Internet)
De forma lúdica, a psicóloga incentivou uma “competição” entre os servidores: a roda da vida. Para cada atividade cumprida, os jogadores ganhariam um adesivo, somariam pontos e avançariam casas no tabuleiro. Quem acumulasse o maior número de pontos no fim do curso, ganharia a caneta dourada – um prêmio simbólico pela conquista.
Semanalmente, os participantes cumpriram pequenas tarefas que envolveram tanto finanças quanto a qualidade de vida, tais como: não comprar nada parcelado por uma semana; comprar um presente para si mesmo; assistir a vídeos motivacionais e informativos e compartilhar mensagens de incentivo com os colegas. Cada tarefa valeu pontos para a roda da vida.
Todas as atividades foram propostas com um objetivo: aumentar a consciência das pessoas quanto ao poder que cada um tem de gerenciar a própria vida financeira. “Escuto as pessoas falando que não podem, não conseguem, não sobra dinheiro e não sabem mexer com dinheiro, mas essas são frases que não espelham a realidade. Qualquer um consegue gerenciar a própria vida financeira”, ressalta Nádia.
Além do tabuleiro da roda da vida, os servidores receberam também um bloco para anotarem os gastos realizados diariamente e uma planilha para terem controle sobre o orçamento mensal e anual, evitando que gastem mais do que ganham.
Durante os encontros foram discutidos assuntos como: a importância do autoconhecimento e do reconhecimento de gatilhos de gastos; o Índice de Comprometimento de Renda (ICR) e os efeitos que o resultado deve ter na vida de cada um; sistema de potes para equilíbrio da vida financeira e principalmente investimentos e reserva financeira.
Utilizando o sistema citado no livro “A Mente Milionária”, de T. Harv Eker, a educadora financeira reforçou que o ideal é destinar 10% do salário para a liberdade financeira; 10% para despesas de longo prazo como carros e imóveis; 10% para diversão; 10% para educação; 55% para necessidades básicas como saúde e transporte e 5% para doação. Desta forma, será possível viver alguns degraus abaixo da sua renda, dando margem para imprevistos e aplicando recursos para o futuro.
O curso também contou com um grupo de WhatsApp, que auxiliou os participantes no incentivo à realização do que, de acordo com Nádia, é um exercício constante. “O público do Tribunal tem todo o potencial para administrar muito bem as suas finanças e para isso é fundamental que as pessoas entendam o poder que elas podem ter sobre o próprio dinheiro e saiam da zona de conforto”, afirmou a especialista.
Ana Alves é servidora da 4ª Turma do TRF1 e também atua como psicóloga comportamental. Ela participou do curso para atualizar seus conhecimentos e utilizá-los tanto na vida pessoal quanto nas consultas com seus pacientes.
“O último curso que fiz sobre finanças foi em 2013, e essa diferença de tempo já me fez ver que eu estou sem prática com algumas coisas, tais como instituições financeiras, planilhas e lançamento de dados. Com o tempo, a gente acaba relaxando porque acha que sabe tudo, mas as coisas vão evoluindo e a gente fica para trás”, ressalta Ana.
Para a servidora, participar do curso fez com que ela tivesse uma percepção melhor de planejamento e economia: “uma visão melhor do que se tem, do que se gasta, do que se pode gastar e do que se pode economizar para, inclusive, investir em seus objetivos”.
Indira Damasceno foi a vencedora do desafio da roda da vida. A servidora do gabinete do desembargador federal Marcos Augusto de Sousa foi a participante que mais acumulou pontos durante a capacitação em virtude do cumprimento de atividades. “Executei todas as tarefas propostas pela professora bem como dediquei tempo para o entendimento e a manutenção dessas atividades não só durante o curso, como também depois. É um exercício diário”, aponta Indira.
Crédito: Larissa Santos/Ascom-TRF1
Para ela, iniciativas como essa são de extrema importância, já que “ao possuir as finanças equilibradas, podemos programar melhor nosso cotidiano, concretizando metas estabelecidas e tendo maior tranquilidade nas atividades diárias e comprometimento real com nossos propósitos de vida”.
De acordo com a servidora, o curso foi uma experiência recompensadora, principalmente pelo caráter prático e didático, que permitiu o compartilhamento de conhecimentos atuais, reais e fundamentados de educação financeira.
“Creio que todos saíram do curso mais capacitados com uma nova visão de organização e com novos projetos a serem concretizados, além de a certeza de que sempre podemos fazer mais por nós, pelo nosso dinheiro e pela nossa vida em sociedade”, declara Indira Damasceno.
A capacitação terá uma nova fase, mais avançada e com conhecimentos mais aprofundados em finanças, prevista para iniciar no segundo semestre de 2020.
Crédito: Carlos Rodrigues, Lucas S. S. Lima e Larissa Santos/Ascom-TRF1
[1] Em entrevista para o jornal Correio Braziliense publicada em 2018.