Povos das florestas e biodiversidade
Magistrados discutem “Direitos Fundamentais dos Povos das Florestas para o Desenvolvimento Sustentável do Planeta” no XVII Fórum Jurídico da Esmaf
Patrícia Gripp e Larissa Santos
Dezembro 2021 / Janeiro 2022
| Ed.
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Entre grandes árvores, extensos rios e diversos animais, a Amazônia abriga populações que têm importante papel na preservação das nossas florestas. São pessoas que muitas vezes desconhecem tecnologia e estão distantes dos grandes centros, mas que mantêm uma cultura surpreendente e repleta de conhecimentos transmitidos de geração em geração.
Índios, seringueiros, castanheiros... são habitantes tradicionais da Floresta Amazônica que, de acordo com o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), têm o modo de vida baseado na extração de produtos – como borracha, castanha e óleos vegetais – e se dedicam à caça e à pesca não predatória e à agricultura de subsistência.
Em outras palavras, os povos da floresta são populações que necessitam da Amazônia para viver, ao tempo que auxiliam a preservação das matas e das espécies, já que conseguem utilizar recursos naturais sem destruí-los.
Porém, diante das consequências do consumo acelerado e da falta de medidas de preservação do meio ambiente, esses povos assistem de perto à devastação da floresta sem ter condições de defendê-la.
Segundo dados do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), em 2021, o desmatamento da Amazônia aumentou em 29% em relação a 2020, o que equivale a 10 mil quilômetros de mata nativa destruída. Esse percentual é o pior em 10 anos, de acordo com o Instituto.
Portanto, o desmatamento não afeta apenas a qualidade do ar. Ele traz consequências negativas para animais, nascentes, rios e também para os povos que ali vivem e dali tiram o seu sustento.
Fórum Jurídico
A fim de provocar reflexões e debates sobre a garantia dos direitos dos povos das florestas, a preservação de seus costumes e a proteção da sua cultura, bem como mostrar a importância dessa população na proteção da biodiversidade, a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) promoveu, em 6 de dezembro, o XVII Fórum Jurídico.
Essa foi a última edição do evento em 2021 e teve como tema “Direitos Fundamentais dos Povos das Florestas, no Brasil, para o Desenvolvimento Sustentável do Planeta”, com transmissão pelo canal da Esmaf no YouTube.
Na abertura, o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Herman Benjamin falou sobre “A Proteção dos Direito Fundamentais dos Povos das Florestas, no Brasil, para o Desenvolvimento Sustentável do Planeta”.
Ele citou a Constituição Federal de 1988 para explicar o direito à terra e alertou que “a terra deve ser o início e não o fim. A terra é a matéria. Mais importante para nós, brasileiros, unidos todos numa constituinte, é o intangível e este intangível é organização social, são os costumes, as línguas, as crenças e as tradições”.
Com base no artigo 231 da Carta Magna, Herman Benjamin afirmou que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”.
Terra e Povos Indígenas
Na sequência, o ministro aposentado Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal Federal (STF), também defendeu o direito dos índios às terras tradicionalmente ocupadas, na palestra “O Direito Fundamental da Posse Imemorial dos Povos Indígenas, no Brasil, sem barreiras do marco temporal”.
Para o magistrado, a terra é um pedaço de chão na vida dos índios como a casa é um pedaço de chão na nossa vida. “Todo mundo devia ter sua casa, comida e roupa lavada. Isso é totalmente imprescindível. Santo Agostinho dizia: sem o mínimo de bem-estar material não se pode sequer seguir a Deus. Talvez a terra seja o que existe de mais sagrado”, afirmou Ayres Brito.
O ministro aposentado ainda ressaltou que a terra, para os índios, não é um bem para comércio, nem tem valor material, no sentido patrimonialista. “A terra é um vínculo afetivo entre ancestralidade e posteridade. Quando o governo propõe a utilização da terra para alguma obra de infraestrutura, os índios recusam. Eles têm a terra como algo sagrado, como um totem horizontal e, portanto, um espírito protetor”.
Líder Indígena
Outra palestrante do Fórum foi a líder das causas indígenas no Brasil, Txai Suruí, de 24 anos, que expôs o tema “A Proteção dos Povos Indígenas e dos Ecossistemas da Amazônia, no Brasil, para o Desenvolvimento Sustentável do Planeta”.
A ativista do povo Suruí Paiter representou o Brasil na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2021 (COP 26), realizada entre 1 e 12 de novembro de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia. Os Suruí Paiter vivem entre os limites dos municípios de Cacoal (RO) e Aripuanã (MT).
Txai Suruí ressaltou que os povos indígenas estão na linha de frente da preservação da floresta, dos direitos humanos e do planeta. Além disso, ela apontou as inúmeras ações de políticas antiambientalista e anti-indígena que vêm sendo propostas no Brasil, que não respeitam a Constituição Federal.
A líder criticou o Projeto de Lei 490/2007, que estabelece a demarcação de terras indígenas por meio de leis. “A gente vem passando por grandes pressões; pressões pelos nossos territórios, pelas nossas vidas... inclusive, por parte do próprio Poder Legislativo. O PL não respeita o que está previsto na nossa Constituição, não respeita aqueles que não só estavam aqui no Brasil antes, mas também que fazem esse papel de preservar a vida, preservar as florestas”, avaliou Txai.
Amazônia e Poder Judiciário
O tema “A Proteção da Amazônia e o Poder Judiciário” foi apresentado pela promotora de Justiça do Estado do Pará Eliane Moreira.
Ela apontou problemas que a Amazônia enfrenta há anos, como a perda acelerada do bioma, conflitos fundiários e de violência, exclusão e relação colonialista, intervenção federal no território e a falta de autonomia dos estados.
No entanto, a promotora acredita que existe uma Amazônia em cada um de nós. “Todos nós brasileiros e cidadãos planetários carregamos uma Amazônia em nós. Esse imenso coração que pulsa e que boa parte dele faz parte de nossa responsabilidade. Temos uma mobilização de órgãos nacionais e internacionais em busca dessa defesa, desse território”, afirma.
Eliane destacou, ainda, que a Amazônia é o maior bioma do Brasil e um território de esperança, apesar de estar sendo tomada atualmente pelas questões trágicas, como o avanço do desmatamento e queimadas, que estão sendo vividas pelos povos indígenas.
O XVII Fórum da Esmaf homenageou o falecido desembargador federal, jurista e ambientalista Eladio Luiz da Silva Lecey, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), e teve como coordenadora e mediadora a desembargadora federal Mônica Sifuentes, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).