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Judicialização da Saúde

Rede de Inteligência e Inovação da 1ª Região recebe o ministro da saúde Marcelo Queiroga para ouvir o posicionamento da União sobre a responsabilização dos entes federativos em ações sobre saúde

Ana Paula Souza

Abril 2022

 |   Ed.

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Judicialização da Saúde

Quando o Direito à Saúde – previsto no artigo 196 da Constituição Federal – fica prejudicado e o cidadão não consegue o devido acesso aos serviços, um dos caminhos é recorrer à Justiça. E cada vez mais isso tem acontecido.


Dados da pesquisa “Judicialização e Sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade”, publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram que, entre os anos de 2015 e 2020, a judicialização da saúde ultrapassou a marca de 2,5 milhões de processos. O desabastecimento de medicamentos é uma das principais causas de ações propostas.


Um dos entraves nessas ações é a responsabilização dos entes federativos. União, estados, municípios e Distrito Federal: de quem é a responsabilidade financeira pela execução das sentenças do Judiciário sobre questões de saúde? Esse assunto está no Tema 793 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da repartição de competências e ônus financeiros nas ações de saúde. No julgamento que originou a fixação da Tese, boa parte da discussão foi acerca da manutenção ou não do critério de responsabilidade solidária quanto às obrigações de saúde.


Com base nessa problemática, ao longo do mês de abril, a Rede de Inteligência e Inovação da 1ª Região (Reint1) reuniu seus integrantes para buscar soluções e aprofundar o debate acerca da aplicação do referido tema 793. As reuniões contaram com a participação de magistrados federais da 1ª Região, da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria do Distrito Federal, dos Núcleos de Gestão de Precedentes do STF e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, por fim, do ministro da Saúde Marcelo Queiroga, que debateu temas da judicialização da saúde com integrantes da Justiça Federal.


Ponto de vista da União

A proposta do convite feito ao ministro foi de ouvir o posicionamento da União sobre a atuação do Ministério da Saúde em casos de reembolso a outros entes que executam uma sentença de judicialização da saúde e o atendimento às demandas judiciais em que a União é parte.


O ministro Marcelo Queiroga explicou que o Brasil investe 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em saúde e que a Secretaria de Atenção Especializada do Ministério comanda mais de R$ 6 bilhões em recursos para a área.


De acordo com ele, o País tem evoluído nos últimos 30 anos em ações sobre políticas públicas que resolvem problemas de saúde, tais como tratamento de câncer e cardiopatia, doenças que mais matam pessoas. Um marco nessa evolução foi a criação da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), que, entre várias atribuições, recomenda, de forma técnica, protocolos clínicos.


Por outro lado, grande parte das ações judiciais pleiteiam remédios que não foram registrados no órgão responsável e, quanto a isso, Queiroga acredita que o Direito à Saúde previsto na Constituição deve observar o princípio da reserva do possível. “Temos que observar o princípio da reserva do possível e a questão da teoria do mínimo existencial, porque, muitas vezes, se pleiteia no âmbito do Poder Judiciário determinados medicamentos e produtos cuja segurança sequer está testada pelas agências regulatórias e cujas indicações que estão procedidas não acompanham o que a evidência científica mostra. Muitas vezes, o juiz é compelido a tomar determinadas decisões baseadas em um perigo de demora, porque, se ele não tomar aquela decisão, é colocado pela parte demandante que pode haver um prejuízo irreversível à vida. Mas a instância administrativa tem que exercer uma discricionariedade técnica e oferecer políticas públicas compatíveis com o orçamento”, ressaltou o ministro.


Marcelo Queiroga afirmou que o Ministério da Saúde está disposto a dialogar para encontrar soluções que evitem tantas demandas judiciais: “Temos que nos unir e abrir esses canais de diálogo, como acontece hoje aqui, pois a União não tem razão sempre. Nós queremos melhorar e aprimorar o sistema de saúde como um todo, para que os benefícios cheguem na ponta para o cidadão, sobretudo àqueles que são mais simples”.


O consultor jurídico do Ministério da Saúde, João Bosco, enfatizou que a União está preocupada com a crescente judicialização da saúde na Justiça Federal, migrada da Justiça Estadual: “Essa ideia de cada juízo indicar o agente necessário e depois seguir à compensação é importante, mas há uma preocupação com essa ideia do aumento de demandas na Justiça Federal. A questão da compensação precisa ser enfrentada. Estamos buscando mecanismos para a compensação de forma segura e inquestionável no âmbito administrativo”.


Posicionamento da Rede

De forma geral, os juízes que integram a Rede de Inteligência defenderam a ampliação de diálogo da União com os demais entes para buscar soluções que não sejam resolvidas com processos judiciais. “Com diálogo institucional, muitas dessas demandas seriam evitadas e, dentro do possível, um aperfeiçoamento na área administrativa poderia diminuir uma série de litígios. Esse é o papel dos Centros de Inteligência, unidos aqui em rede e com sensibilidade, tentando respeitar as limitações de cada Poder para buscar as soluções ou minimizar o problema”, afirmou o juiz federal Carlos Geraldo Teixeira, coordenador do Centro Local de Inteligência da Seção Judiciária de Minas Gerais (CLI/MG).


A juíza federal Kátia Balbino, da 3ª Vara Federal do Distrito Federal, especializada em saúde pública, também defendeu mais diálogo entre os entes federativos para garantir o direito do cidadão. “Uma preocupação nesse jogo de competências é o atraso para a própria ciência e atuação da União, do DF e do estado em relação ao cidadão que está demandando. Isso gera falta de controle. Precisamos de um debate com todos os envolvidos, pois esse é um tema muito complexo e a gente vê que os problemas vão ficando para trás”, ponderou a magistrada.


A juíza federal Marina Cavalcante, da Seção Judiciária do Piauí (SJPI), ressaltou que, embora o Sistema Único de Saúde (SUS) seja um sistema de grande atuação, ele deixa a desejar nas ações judiciais. “O SUS é fantástico em sua estrutura, mas, nesses casos de judicialização, vem falhando como sistema. O Judiciário sempre fica preocupado em garantir o acesso à Saúde quando tem uma ação. Mas existe uma problemática. O SUS tem seus bens bloqueados para cumprimento de sentença e acaba gerando despesa para os estados. Essa política litigante de sempre se defender tem que ser superada. Precisamos de soluções. É necessária uma política de construção de soluções”, argumentou a juíza.


Já o juiz federal Saulo José Casali, titular da 11ª Vara Cível da Bahia, defendeu mais cuidados nas tratativas sobre judicialização da saúde. “Como resultado mais prático desse encontro hoje, precisamos que o Estado se preocupe em tentar reforçar os cuidados com a judicialização, até mesmo pelo volume de recursos envolvidos, pois isso compromete as destinações para a área da saúde. São necessários mais diálogo e informação”, concluiu o magistrado.


Nota Técnica

O resultado desses debates promovidos pela Reint1 foi a aprovação de Nota Técnica para orientar a atuação da magistratura em processos judiciais relacionados à saúde pública a partir da aplicação do Tema 793. A proposta foi apresentada pelo juiz federal Emmanuel Mascena de Medeiros, que elaborou o documento em parceria com os juízes federais Marcelo Dolzany da Costa e Marcelo Velasco Nascimento Albernaz.


A partir da fixação da tese de que os entes da federação são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro.


Segundo a Nota Técnica, o Tema 793 trouxe uma inovação relevante sobre a obrigação de a magistratura fixar o direcionamento do cumprimento e a eventual determinação de ressarcimento a quem suportar o ônus financeiro. O documento reforça também que soluções administrativas e conciliatórias são o caminho mais ágil e racional para se alcançar o equilíbrio econômico, conforme as competências do SUS, entre os entes federativos.


Para os juízes federais que elaboraram o documento, há uma visão compartilhada de que as deliberações judiciais, da forma como tem se dado, podem trazer irracionalidade ao sistema. Por conta disso, a concepção de soluções que incorporem uma perspectiva conciliatória e sistêmica, seja para o cumprimento das determinações ou para o equilíbrio financeiro dos entes federativos, deve ser buscada em todas as instâncias judiciais e administrativas.


A Nota Técnica foi encaminhada à Comissão de Jurisprudência e Gestão de Precedentes (Cogep) do TRF1, ao Centro de Inteligência do Poder Judiciário (CIPJ) – vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) –, e ao Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, em razão do grande impacto estrutural que a matéria tem na jurisdição federal. Além desses, o documento também foi enviado ao Núcleo de Gerenciamento de Precedentes do STF e ao Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

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