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Fórum da Esmaf debate tributação, justiça e pandemia e desembargador Hercules Fajoses aprofunda o tema em entrevista

No Brasil, a forma de tributação é sobre o consumo, ou seja, indireta na qual o imposto é embutido no valor final de um produto, que é repassado ao consumidor

Ana Paula Souza

Julho 2021

 |   Ed.

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Fórum da Esmaf debate tributação, justiça e pandemia e desembargador Hercules Fajoses aprofunda o tema em entrevista

Atualmente tramitam no Congresso Nacional três propostas de reforma tributária: proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, vinda da Câmara dos Deputados, a PEC 110, que tem origem no Senado, e a primeira parte da proposta elaborada pelo governo e enviada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, o PL 3.887. Uma Comissão Mista analisa as propostas. O Governo Federal sugeriu uma reforma por etapas, mas o Congresso Nacional acredita que o país precisa de uma reforma mais ampla. A PEC 45 de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), propõe a junção de cinco tributos sobre o consumo e a PEC 110, segunda, inicialmente apresentada pelo senador, Davi Alcolumbre (DEM), prevê unificação de nove tributos.


Especialistas da área tributária defendem que para o Brasil ter crescimento acima de 4% é necessário que se faça uma reforma tributária. De forma geral, os tributos são incidem consumo, renda ou propriedade. No Brasil, a forma de tributação é sobre o consumo, ou seja, indireta na qual o imposto é embutido no valor final de um produto, que é repassado ao consumidor.


Mas o momento atual em que o mundo enfrenta uma pandemia que trouxe impactos profundos para vários segmentos, inclusive a economia, seria propício para discutir e promover uma reforma tributária?  Essa foi a problemática discutida durante o Fórum Jurídico Questões Relevantes da Reforma Tributária no Contexto da Pandemia da Escola da Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) realizado no dia 22 de junho. Questões Relevantes da Reforma Tributária no Contexto da Pandemia. Ao todo, sete palestrantes falaram abordando temas como Reforma Tributária: perspectiva sobre a pandemia; Reforma Tributária na perspectiva brasileira; Federalismo Fiscal, Evolução Tecnológica e a Tributação sobre o consumo. Entre os palestrantes estavam os desembargadores federais, Hercules Fajoses e Marcos Augusto de Souza e do juiz federal em auxílio à Vice-Presidência do TRF1, Eduardo Morais da Rocha. Além disso, a procuradora do Distrito Federal Luciana Marques Vieira da Silva Oliveira, a advogada e professora Sara Linhares de Araújo Paes de Souza e a perita Contábil Sandra Maria Batista também contribuíram com a discussão do tema.


O juiz federal Eduardo Morais da Rocha foi palestrante e mediador do Fórum. Rocha falou dos princípios da capacidade contributiva e da proibição do Confisco das pessoas físicas e jurídicas no contexto socioeconômico da crise provocada pela pandemia da Covid-19 visando o desenvolvimento sustentável de uma sociedade justa e solidária no projeto da reforma fiscal tributária brasileira. O magistrado destacou que o Brasil tem alta carga tributária que varia de 32 a 35% do Produto Interno Bruto (PIB) e que quase metade dessa tributação incide sobre o consumo, um modelo de cunho altamente regressivo e injusto que não observa a progressividade, ou seja, quem ganha menos paga proporcionalmente mais. Eduardo Morais ponderou que os reflexos da pandemia colaboraram para uma tributação ainda mais injusta e as propostas de reforma tributária existentes não mudam o modelo de tributação. “O modelo brasileiro se contrapõe a outros países onde a carga tributária gira em torno de 70 a 80% sobre patrimônio, renda e herança e apenas 15 a 25% fica sobre o consumo. Esse tipo de tributação tem uma faceta interessante porque é possível você exercer a real capacidade contributiva cobrando mais tributo daqueles que ganham mais e menos tributos de quem ganha menos. Nossa forma de tributação aliada a essa pandemia com Lockdown e restrição só revelou mais a injustiça porque ela levou muitas pessoas à informalidade. E isso deu destaque à necessidade de Reforma Tributária. As propostas que temos hoje não fogem desse modelo sobre o consumo. A distribuição de renda nunca vai ocorrer sem uma Reforma Tributária que mude o foco do consumo e passe a prevalecer a tributação sobre a renda”, avaliou.


Já desembargador federal do TRF1 Marcos Augusto de Souza destacou que esse não é um tema simples e suas consequências no campo econômico são conhecidas. O magistrado explicou que uma reforma na atualidade depende da convergência muito maior do que simples vontade política, pois temos um sistema federativo que agrega muita complexidade nas competências distribuídas em três níveis de entidades federativas. “O que precisamos levar em conta para sabermos as perspectivas dessa reforma do contexto dessa crise decorrente da pandemia é olhar principalmente a realidade de 2020, onde tivemos uma retração de 5,32% da produção industrial, uma queda de 1,07% da venda de bens e uma redução de 7,41% da venda de serviços. Ou seja, mostrando aí um impacto muito maior sobre o serviço do que os bens no ano de 2020. Nesse mesmo período, uma queda geral de 6,91% da arrecadação da União e na distribuição entre os tributos. A principal finalidade de uma reforma seria redistribuir a carga de forma mais equânime em diversas modalidades de tributos. Mas pelo visto no momento, nós temos também um tensionamento político entre as diversas esferas e isso decorrente também de questões relacionadas à pandemia. Temos aí uma previsibilidade de dificuldade na convergência entre executivo Federal, estaduais e municipais numa reforma que fizesse modificações nos tributos sobre a competência dessas diversas entidades federativas. E provavelmente a judicialização não vai ter redução com esses ajustes pontuais e isso deveria ser analisado de forma melhor”, listou.


O desembargador federal do TRF1 Hercules Fajoses falou sobre Tributação, Arrecadação e distribuição em uma visão tridimensional da reforma. O magistrado leu dois textos de propostas para Reforma Tributária que foram escritos com mais de 50 anos de intervalo, um de 1963 e outro, de 2019, mas que destacam os mesmos problemas quanto à tributação no Brasil e as causas de judicialização do tema. “Os mesmos problemas que nos assombram hoje, já aconteciam há mais de 50 anos. Nós estamos patinando, não estamos evoluindo”, declarou.


Em entrevista à Primeira Região em Revista, o desembargador aprofundou o tema explicando como essa temática chega aos tribunais e quais são as contribuições que o Judiciário pode oferecer para a questão. Confira a entrevista!


Primeira Região em Revista: Durante o Fórum da Esmaf, o senhor ressaltou a teoria sobre Tributação, Arrecadação e Distribuição em uma visão tridimensional da reforma. E explicou que, por exemplo, não se pode fazer tributação por meio de decreto, como se faz arrecadação e distribuição, pois isso gera muitas demandas judiciais. Essa questão se relaciona com as problemáticas que dão origem às demandas processuais de Direito Tributário da 7ª Turma do TRF1, colegiado o qual o senhor integra?


Desembargador Hercules Fajoses: Em minha fala durante o Fórum da ESMAF confessei não acompanhar de perto os projetos legislativos de reforma tributária, vez que a matéria posta à análise para a atividade judicante é o produto do processo, ou seja, o ordenamento jurídico em plena vigência.


No entanto, não significa total indiferença com relação aos acontecimentos políticos, ao contrário, pois foi observando as demandas judiciais que me são colocadas à resolução todos os dias é que pude construir o entendimento de que o sistema tributário deve ser analisado numa visão tridimensional, no caso, em três microssistemas distintos, porém funcionando em complementariedade: tributação, arrecadação e distribuição das receitas.


Entendo que a criação das hipóteses de incidência tributária, normas jurídicas de natureza material, devem predominar no microssistema da tributação, enquanto nos demais microssistemas a predominância deva ser das normas jurídicas de natureza formal, vez que trata de questões mais voltadas à operacionalidade e finalidade do sistema.


A tributação por meio de decretos é apenas um exemplo disso, pois dentro da visão tridimensional do sistema e a considerar o princípio da estrita legalidade em matéria tributária, a rigor, não haveria espaço para criação, ampliação da base de cálculo e acréscimos de outros sujeitos passivos da obrigação tributária senão por meio de lei. Mas trata-se de um entendimento predominantemente doutrinário e que nem sempre se reflete em todos os meus julgados, vez que a jurisprudência tem seus próprios meios e razões.


Primeira Região em Revista: Quais as principais queixas nos processos?


Desembargador Hercules Fajoses: O Direito Tributário é dotado de grande número de especificidades, a começar pela ampla gama de espécies tributárias espraiadas por todos os entes federativos a sofrer o influxo de um Constituição analítica, onde minúcias podem ser interpretadas com status de princípios, sem que possuam as qualificações e preencham os requisitos para tanto.


É nesta ambiência de hipertrofia constitucional que as demandas judiciais tomam forma e é na ampliação das competências das normas infralegais (instruções normativas, portarias, consultas) que reside o maior quantitativo de processos judiciais.


Destaco que é nesse ponto que a tridimensionalidade do sistema tributário ganha mais evidência, pois, certamente as normas infralegais deveriam predominar nos microssistemas de arrecadação e de distribuição, vez que no microssistema de tributação propriamente dito, haveria espaço apenas para as normas legais.


Primeira Região em Revista: O modelo de tributação brasileiro sobre o consumo gera desproporções? Como funciona esse modelo? Uma reforma deveria propor alterações nisso?


Desembargador Hercules Fajoses: A meu ver, as desproporções nunca ocorrem por força de um único motivo que se analisa de forma isolada, pois, para que uma determinada anomalia venha a ganhar maiores proporções, a ponto de se transformar em desequilíbrio no sistema, é necessária a conjugação de vários fatores.


Assim, não se trata apenas de modificar a matriz tributária, vez que no Brasil temos a tributação sobre bens e consumo, mas também temos a tributação sobre patrimônio e renda, muito embora existam vozes abalizadas que acreditam que o modelo de tributação sobre bens e consumo atinja de forma mais importante a população em geral. Trata-se de questão mais voltada à Economia do que ao Direito.


Decerto que toda alteração que promova a diminuição da carga tributária e maior distribuição de receitas será sempre a melhor escolha. É nesse ponto que a visão tridimensional encontra efetividade, vez que sem o bom funcionamento dos mecanismos de arrecadação e de distribuição, pouco importa a alteração dos modelos de tributação.


Primeira Região em Revista: O Fórum tratou dos desafios de se fazer uma reforma tributária em meio à pandemia. Como os problemas de consumo, desequilíbrio econômico, queda na arrecadação, gastos não planejados entre outros inviabilizam a reforma tributária?


Primeira Região em Revista: A pandemia traz situação extraordinária que envolve a população global, a demandar esforços conjuntos, de intensidades e de proporcionalidades jamais vistos.


Em um país de dimensões continentais como o Brasil, as dificuldades impostas pela pandemia assumem as mesmas grandiosas proporções de sua extensão territorial. Neste contexto, é claro que a reforma tributária enfrenta maior número de elementos de resistência do que teria não fosse a atual situação, que é extremamente difícil e de gravíssimas consequências e que, sob todas as formas, desbordam dos problemas políticos usuais.


No entanto, devemos entender que uma reforma tributária que viabilize a arrecadação e a distribuição das receitas de forma mais adequada, sem sobrecarregar o microssistema de tributação, levará a melhores resultados para a Economia, quando chegar o momento de restauração da normalidade.


Primeira Região em Revista: Como a Justiça atua para corrigir distorções do Sistema Tributário?


Primeira Região em Revista: O Poder Judiciário atua dentro dos limites de suas funções constitucionais. Significa dizer que a atividade jurisdicional de resolução de conflitos de natureza tributária traz equilíbrio para todo o sistema, vez que a interpretação e a aplicação das normas jurídicas afeitas à matéria, qualificadas pela definitividade dos litígios por meio da decisão judicial, é fator preponderante para a estabilidade e funcionamento do próprio regime democrático.


Primeira Região em Revista: O Judiciário é um dos caminhos na construção de mudanças que podem melhorar a estrutura tributária do Brasil?


Desembargador Hercules Fajoses: Sem dúvida alguma, pois, ainda que exista grande confusão com relação aos limites políticos do Poder Judiciário e conquanto se utilize de forma equivocada a expressão “ativismo judicial” na maioria das vezes em que é empregada, certo é que o Judiciário traz equilíbrio e estabilidade ao sistema.


Demais, afora suas atribuições constitucionais, o Poder Judiciário pode ser considerado, no mínimo, como um grande laboratório de ideais, na medida em que trabalha na resolução de conflitos e acaba por explicitar aquilo que não está dando muito certo dentro do sistema, especialmente quando se trata das questões econômicas.

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região

Praça dos Tribunais Superiores SAU/SUL 5 - Asa Sul, DF, 70070-900

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