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Formação continuada
O mês de novembro foi marcado por três fóruns jurídicos promovidos pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf). Veja o que os participantes discutiram com o objetivo de aprimorar os conhecimentos dos juízes federais
Ana Paula Souza
Novembro 2020
| Ed.
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Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) na 1ª Região é debatida em fórum da Esmaf
Em vigor há quase dois meses, a Lei nº 13.709/18, conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), é o marco legal que regulamenta o uso, a proteção e a transferência de dados pessoais no Brasil. E, para promover um debate sobre como serão aplicados os preceitos dessa norma no âmbito do Poder Público, a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) inseriu o assunto na série "Diálogos Jurídicos com a Magistratura Federal" com o tema: Implantação da LGPD na Justiça Federal. O evento aconteceu no dia 9 de novembro e foi transmitido ao vivo pelo canal da Esmaf no YouTube.
A coordenação-geral da conferência ficou a cargo dos desembargadores federais Souza Prudente (diretor da Esmaf) e Wilson Alves de Souza (vice-diretor), do juiz federal Pedro Felipe de Oliveira Santos. A gestora do projeto Atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Ana Clara Balsalobre, também coordenou o debate e mediou as palestras.
Na abertura, Ana Clara Balsalobre fez um balanço sobre o trabalho já realizado no TRF1 para implantação dos parâmetros estabelecidos pela LGPD. Segundo Balsalobre, em junho o Tribunal definiu como estratégico e prioritário o projeto Atendimento LGPD e, desde então, várias ações foram realizadas.
“Com essa definição, criamos uma equipe formada por servidores de várias áreas do Tribunal, participamos de eventos sobre o tema para entender melhor o assunto. Iniciamos também um curso de capacitação de formação de dados, o qual foi ministrado para pelo menos dois servidores de cada Seccional da 1ª Região. Recebemos consultoria da Solo Network, por meio de uma parceria com a Microsoft, sobre identificação das áreas de risco potencial no Tribunal e informação baseada na LGPD a partir de um mapeamento de importantes técnicas de segurança da informação e avaliação dos objetivos e prioridades de cyber segurança. Desenvolvemos um projeto-piloto com a Secretaria de Gestão de Pessoas, que será a área que vai impulsionar a LGPD no TRF1. Esse projeto consiste na avaliação de segurança da informação e no inventário das atividades de tratamento de dados pessoais. A partir desse projeto nós vamos implementar a LGPD em outras áreas do Tribunal”, informou a gestora.
Em seguida, a juíza federal Caroline Tauk, do TRF2 e juíza auxiliar no Supremo Tribunal Federal (STF), palestrou sobre a implantação da LGPD no poder público com foco na Justiça, destacando alguns conceitos da lei. A magistrada explicou que o tratamento de dados está relacionado ao uso, do começo ao fim, das informações. Falou das responsabilidades de elementos intitulados pela lei como “controlador”, “operador” e “encarregado” dos dados enfatizando que as atribuições de cada um dependem do funcionamento do órgão. Destacou que embora a Constituição Federal já garanta a proteção de dados por meio de um modelo que visa antecipar danos a esse sistema, a LGPD se preocupa com o uso dos dados desde o começo do ciclo e não só quando são violados.
Além disso, essa lei considera informações pessoais de forma mais ampla a partir de danos que podem ser gerados. “Os dados devem ser usados para questões específicas, aplicando o princípio da finalidade. A lei veio para conferir maior privacidade aos titulares de dados pessoais que somos todos nós, mas temos hipóteses de dispensa de consentimento do titular para utilização desses dados. No âmbito do Poder Judiciário é importante cuidar dos dados relacionados à jurisprudência, como proteger os nomes das partes do processo. É fundamental um equilíbrio entre transparência e proteção de dados”, ressaltou.
O fundador e diretor do Data Privacy Brasil e consultor do Departamento de Proteção de Dados do Conselho da Europa (que também colaborou na redação da LGPD do Brasil), Renato Leite Monteiro, salientou que a LGPD é uma novidade legislativa que está exigindo adaptações tanto na esfera privada quanto na pública. O especialista falou da importância de implementar adequadamente a LGPD e destacou obrigações e direitos previstos na norma. “A implantação da lei pode começar com planejamento de atividades, conscientização, avaliação e estruturação. Gerenciar programas de governança e de privacidade de proteção de dados e conhecimento jurídico sobre as normas regulatórias são atribuições fundamentais, sobretudo ao encarregado que atua diretamente com as informações”.
Bruno Bioni, também fundador e professor da Data Privacy Brasil, apresentou um caso específico sobre produção de dados pessoais do setor público, com foco do sistema de justiça a partir de um convênio da Data Privacy Brasil com as Defensorias Públicas do Rio de Janeiro e de São Paulo para adequação à LGPD. Conforme explicou, com base na metodologia aplicada para capacitação das defensorias e pesquisa dos componentes dos programas de adequação é possível sugerir uma jornada de colaboração horizontal entre os órgãos de justiça para troca de experiências na implantação da LGPD.
“A criação de um espaço de trocas entre os órgãos é um ponto para ajustes quando se pensa na logística do Poder Judiciário. É importante investir em capacitação para os envolvidos e agrupar áreas afins para assentar o conhecimento. Também é necessário fazer a divisão de atividade-meio e fim e operacionalizar tratamento específico para demandas judiciais sobre a própria LGPD. Tudo isso pode ajudar na compreensão da lei e ajudar na solução de gargalos”, explicou.
SAIBA MAIS
Informações sobre a implantação da LGPD na 1ª Região da Justiça Federal podem ser acessadas pelo link de informações básicas no site do TRF1, localizado no ícone à direita no portal. O projeto Atendimento à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais do TRF1 também disponibilizou para sugestões e orientações o e-mail lgpd@trf1.jus.br.
Um debate sobre questões relacionadas à competência no processo penal
O oitavo encontro da série on-line “Diálogos Jurídicos com a Magistratura Federal”, realizado pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf), debateu, no dia 16 de novembro, o tema “Problemas na fixação da competência no processo penal: conexão, contingência e outras questões”.
Mediou o debate o juiz federal Ivo Anselmo Höhn Junior, da Seção Judiciária do Maranhão (SJMA). Antes das palestras, o magistrado ressaltou a importância de discussão do assunto que vem ganhando destaque no cenário jurídico. “Nos últimos anos, o processo penal tem despertado grande interesse na sociedade brasileira. Nunca se discutiu tanto questões como o foro por prerrogativa por função em grandes operações no âmbito do Judiciário Federal. O tema é complexo e relevante, e a discussão é importante, pois jurisprudência e doutrina têm divergido sobre alguns assuntos”, observou
A primeira palestra foi com a desembargadora federal Simone Schreiber, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2). Um dos tópicos abordados pela magistrada foi o respeito ao princípio do juízo principal a partir da indagação sobre a principal preocupação que se deve ter quando se interpreta e se aplica regra de fixação de competência. Para Schreiber, uma fixação casuística de competência não é aceitável.
“Todas as regras de fixação de competência, tanto as previstas na Constituição quanto nos códigos de processo, nas normas administrativas editadas por tribunais, e nas as leis de organização judiciárias têm que ser claras e objetivas. Têm que permitir que nós conheçamos com clareza e saibamos quem é o juiz natural para aquele caso. As regras de fixação de competência estão relacionadas à garantia do princípio do juízo natural. Ninguém vai ser julgado por um juízo cuja competência não esteja prevista. As partes têm direito ao juiz natural”.
O professor Gustavo Badaró, da Universidade de São Paulo (USP), destacou, em uma de suas falas, as consequências da má aplicação da lei quando se pede a conexão de crimes após sentença. “Quando os crimes têm alguma ligação, precisam de julgamento conjunto e isso altera a competência. Ou seja, sai de um juiz e vai para outro. Essa é a ordem, e não o contrário. A prova clara disso é que se crimes conexos, quando estão em varas diferentes, são reunidos, isso deve acontecer antes da sentença”.
Vladimir Aras, procurador regional da República, trouxe ao debate mudanças de competência das justiças militar e eleitoral e julgamento de crimes extraterritoriais (dentro do contexto do foro especial). De acordo com o procurador, muitos reclamam seus direitos de serem julgados pelo juiz competente. “Todos esperam por um processo penal justo que cumpra seu papel na sociedade democrática, e a aplicação adequada do fórum especial está relacionada com isso”
Fundamentos do Jurisprudencialismo em cena
A estrutura teórica do Jurisprudencialismo, proposta pelo professor e filósofo Antônio Castanheira Neveso, foi o assunto central do X Fórum Jurídico da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf), que promoveu o debate sobre a temática Fundamentos do Jurisprudencialismo.
O evento on-line foi realizado no dia 20 de novembro, com transmissão pelo canal da Esmaf no YouTube.
Para o vice-diretor da Esmaf, desembargador federal Wilson Alves de Souza, que também mediou os debates, "é necessário falar mais sobre as teorias do jurisprudencialismo e o pensamento do professor Castanheira Neves".
A palestra magna de abertura dessa décima edição do fórum ficou a cargo do professor José Manuel Aroso Linhares, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e da Universidade Lusófona do Porto, em Portugal. Ele explicou como princípios e normas são colocados no plano de realização do Direito. Aroso Linhares destacou que pela teoria de Castanheira Neves, no jurisprudencialismo, os princípios são fundamentos para se tomar posição perante situações concretas. "O verdadeiro significado dos princípios só é determinado no concreto. Os princípios são intenções de realização e chegam ao sentido pleno quando se tornam realidade", afirmou.
A segunda palestra foi realizada pelo professor Antonio Sá da Silva. O docente falou sobre a interpretação constitucional quanto à legalidade do cumprimento de pena após decisão do segundo grau e lançou um questionamento sobre o assunto. Será que o debate atual acerca desse tema não estaria demasiadamente reduzido e se tornado refém de uma compreensão normativista do ordenamento jurídico? Sá explicou que há ausência de paz doutrinária entre os juristas ao fazerem um contraponto entre jurisprudencialismo e normatividade. "A legalidade da previsão constitucional de prisão em segunda instância não depende de estar clara ou não no texto da Constituição. Será que a mudança na legislação infraconstitucional mudaria isso? A questão reclama consciência jurídica", afirmou.
A diferenciação entre questão de fato e questão de direito a partir de análises das Súmulas 7 do Superior Tribunal de Justiça e 279 do Supremo Tribunal Federal foi tema da palestra do juiz federal Társis Lima. O magistrado explicou que o conteúdo das súmulas veda a interposição de recursos a esses tribunais que visem ao reexame de provas, mas indagou que, de forma geral, não há como um juiz não julgar e analisar fatos. Para Lima, questões de fato e de direito são inseparáveis. "Um processo só nasce e é integrado pelas partes por conta de um problema, um fato. Mesmo em questões sumuladas com casos simples, em algum momento a historicidade do fato pode mudar o entendimento e a percepção do julgador", explicou.
Interessados em assistir à íntegra das palestras proferidas no nos Fóruns Jurídicos da Esmaf podem acessar o canal da Esmaf no YouTube.