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A eficácia da MP 739/2016 e sua consequente reedição nominada
MP 767/2017 para efeitos da revogação do parágrafo único
do art. 24 da Lei nº 8.213/91/2016 e sua consequente reedição nominada

Por Luiz Cazado
Bacharel em Direito desde 1992, lotado no gabinete da 27ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal
Ed. 84 Dez 2017/jan 2018

A Medida Provisória nº 739, de 7 de julho de 2016, vigorou até 4.11.2016, já que o Congresso Nacional, no seu mister, não procedeu, tempestivamente, à análise de seu conteúdo, tendo sido, assim, derrogada tacitamente.

 

É imperioso analisar sobre a MP 739/2016 e, basicamente, se, mesmo depois de sua vigência – limitada no tempo, permanecem incólumes os efeitos à aplicação do direito para situações verificadas depois de sua expiração, constituindo, assim, exame de direito intertemporal.

A referida norma tratou de alterar a carência exigida àqueles que retornassem a contribuir ao sistema, especificamente para os benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e salário-maternidade, uma vez que o seu texto tratou de revogar (suspender) o parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.213/91 (havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores a essa data só serão computadas para efeito de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido), bem como acrescentar o parágrafo único ao art. 27 da Lei nº 8.213/91.

Assim, o contribuinte, para ter direito aos benefícios previdenciários nela referidos, deveria, para readquirir a qualidade de segurado plena, contribuir com o mesmo número de contribuições para satisfazer o requisito carência exigido à concessão do benefício, v.g, para auxílio-doença: 12 contribuições.

Como assentado linhas atrás, a referida MP não foi convertida em lei e, diante do decurso do tempo, perdeu sua eficácia. Sobreveio, então, o Ato Declaratório do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 58, de 7.11.2016, dispondo que a MP 739/2016 teve seu prazo de vigência encerrado no dia 4 de novembro daquele ano (2016).

Surge, então, o questionamento acerca da eficácia e da validade e, consequente e principalmente, da aplicação da MP para situações ocorridas mesmo posteriores à declaração de sua ineficácia no mundo jurídico, exsurgindo, daí, a necessidade de resolver os conflitos decorrentes desde sua edição.

O texto constitucional, quanto ao ponto, dispõe:

 

Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. 

(....)

§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes.

§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional.

§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais.

(....)

§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. 

§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. 

§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. 

 

Do contexto, evidencia-se que a edição de Medida Provisória, que tem força de lei e inicia sua eficácia desde quando publicada, necessita do preenchimento de dois requisitos fundamentais: urgência e relevância.

A eficácia da medida provisória, no tempo, é de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis, uma única vez, por igual período, perfazendo, no máximo, o tempo de 120 (cento e vinte) dias. Os seus efeitos somente serão mantidos no caso de ela vir a ser convertida em lei pelo Congresso Nacional; caso isso não se constate, caracteriza-se sua rejeição, que pode ser tácita (pelo decurso do prazo) ou expressa (votação contrária à MP).

Quando a MP é rejeitada, a eficácia se desfaz desde sua edição, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas dela decorrentes (art. 62, § 3º, CF).

Não sendo editado o decreto a que se refere o § 3º até 60 (sessenta) dias após a rejeição ou perda da eficácia, “as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas” (art. 62, § 11, CF).

 

Constata-se que, malgrado seja possível o presidente da república editar expediente com força de lei, a confirmação de seu texto é de exclusividade do Congresso Nacional, o qual também detém competência privativa de dizer (disciplinar) quais relações são válidas quando a MP é rejeitada.

O ordenamento supracitado faz surgir o questionamento seguinte: se para a concessão dos benefícios previdenciários elencados na supracitada MP é necessário perquirir o fato gerador do eventual direito, quais sejam, data da incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) e data do parto (salário-maternidade), como seria possível aplicar os efeitos de regramento de caráter precário (MP não convertida em lei) às situações que se pretende constituir tempos depois da perda de sua eficácia?

 

Nessa senda, importa destacar que a MP, em regra, não tem o condão de alterar/revogar lei, mas apenas suspender sua eficácia quando seu texto se contrapõe ao contido na lei que se pretende alterar ou revogar. É porque a MP tem caráter precário e sua eficácia para além de seu tempo previsto constitucionalmente (até 120 dias) está atrelada à sua conversão em lei. Assim é que, não sendo satisfeita a condição resolutiva, o status quo ante é restabelecido. Quando ela é aprovada, pode-se afirmar que os efeitos de alteração ou revogação permanecem desde sua edição, fenômeno que transmuda a precariedade em definitividade.

 

Portanto, não se revela razoável intuir que, no caso sob testilha, a expressão “as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas”, contida no § 11 do art. 62 da CF, aplica-se indistintamente, especialmente considerando que a perda da eficácia da MP 739/2016 restabeleceu os critérios anteriormente previstos na Lei nº 8.213/91, especificamente o parágrafo único do art. 24, o qual, durante certo tempo, esteve suspenso.

 

Porque a MP 739/2016 não foi convertida em lei dentro do prazo constitucional, sua eficácia se exauriu, caracterizando, destarte, a suspensividade dos efeitos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.213/91 exclusivamente no curso de vigência da referida MP.

A melhor exegese do referido § 11 não alimenta a ideia de que a MP 739/2016 vigora nos dias atuais, com a possibilidade de sua aplicação à análise à concessão dos benefícios citados no seu texto, mas, sim, à inteligência de que os fatos geradores advindos durante o período de 7.7.2016 a 4.11.2016, enquanto vigente a MP 739/2016, devem ser respeitados.

 

Vale dizer, se durante o lapso temporal de vigência da MP 739/2016 ocorreram fatos diversos (concessão, cessação, revisão, etc.) e se as decisões administrativas tiveram como escopo a referida MP quanto à carência exigida, as situações constituídas devem ser conservadas e os seus efeitos permanecem hígidos, porquanto não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º do art. 62 da Constituição, hipótese primeira da aplicação do critério tempus regit actum.

É preciso olhar para o passado com parcimônia quando se analisa questões relativas à concessão dos benefícios previdenciários contidos na alteração legislativa que se pretendeu realizar para, no presente, não causar danos (quiçá) irreparáveis aos contribuintes com reflexos futuros.

 

Noutro giro, caso seja enfrentada situação que se exija a análise da qualidade de segurado posteriormente à vigência da MP 739/2016, os efeitos desta não serão considerados, uma vez que a MP criou, no mundo jurídico, norma de caráter precário, que suspendeu a aplicação do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.213/91 por inexpressivo lapso temporal, e sendo ela rejeitada pelo Congresso Nacional, porque não evidenciados os requisitos autorizadores da medida (urgência e relevância), não se constata a consolidação de seus efeitos para o futuro, podendo-se assegurar que a revogação do referido parágrafo único, para além do tempo de vigência da MP 739/2016, é um nada jurídico.

 

E tal assertiva não se contrapõe à regra estabelecida na Constituição. Ao contrário, o constituinte derivado, a fim de espancar desdobramentos quanto à aplicabilidade dos efeitos da MP rejeitada, estipula que as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas, e a sentença “atos praticados durante sua vigência” não pode ser compreendida para mais adiante de seu tempo de validade, mas àqueles advindos no curso de sua existência. 

 

O que vigora, no contexto analisado, são as relações surgidas no período de 7.7.2016 a 4.11.2016 (tempo de existência da MP 739/2016), época cuja eficácia da MP se fazia plena. Nada mais do que isso.

 

Do contrário, isto é, aplicando-se os efeitos da MP 739/2016 para depois do tempo de sua vigência, restará instituída espécie teratológica de repristinação, na qual se observará o restabelecimento de norma de eficácia limitada no tempo, de natureza precária, inexistente (hoje) no mundo jurídico, que não é e nunca foi lei, e, portanto, não pode, no presente, ter efeitos desta para restringir/alterar direitos previstos na legislação de regência (Lei nº 8.213/91), a qual, repise-se, não foi revogada com a edição da MP supracitada; estiveram (tão somente) suspensos os seus dispositivos durante o lapso temporal de 7.7.2016 a 4.11.2016 à confirmação de seus termos pelo Congresso Nacional.

 

A aplicabilidade dos efeitos da Medida Provisória 739/2016 nos dias atuais, ou para fatos geradores advindos depois de sua vigência, no que diz respeito à suspensão da aplicação do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.213/91, somente seria admissível na hipótese de ela ter sido convolada em lei, sem qualquer alteração, o que, de fato, não ocorreu. É saber, nessa hipótese (conversão da MP 739/2016 em lei sem alteração quanto ao ponto) seria possível, também, a aplicação da alteração da norma à luz do princípio tempus regit actum.

Do exposto, afirma-se que os efeitos da MP 739/2016 não devem ser aplicados às situações constituídas em data posterior à sua vigência, porquanto desde então ela é ineficaz, não se revelando possível retroagir efeitos de norma inexistente no mundo jurídico, e que, enquanto válida, tratou apenas de suspender (precariamente) a validade de dispositivo legal. Mas não é só.

 

II

Constata-se, ainda, que imediatamente depois do prazo para a edição do decreto legislativo de que trata o § 3º do art. 62 da Constituição, ou seja, 60 (sessenta) dias depois de rejeitada a MP 739/2016, editou-se a MP 767/2017, de 6.1.2017, na qual (também) constou a hipótese de, em relação à carência, para a concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, o segurado deveria contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com os períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25 da Lei nº 8.213/91.

 

A manobra promovida pelo Executivo, que insistiu na alteração do prazo de carência para os benefícios citados, não observou preceitos de ordem constitucional, especificamente o prazo para apresentar medida provisória de igual teor quando houver a rejeição, tácita ou expressa, da anterior.

 

Com efeito, verifica-se que a redação das normas, quanto ao ponto, é idêntica nas duas Medidas Provisórias, mas a localização no texto é diversa; a alteração na MP 739/2016 está localizada na inclusão do parágrafo único ao art. 27 da Lei nº 8.213/91, enquanto que na MP 767/2017 se encontra na inclusão do art. 27-A da Lei nº 8.213/91. A técnica utilizada, não repetindo a mesma localização da redação nos textos normativos, denota a intenção de descaracterizar infringência à norma constitucional (§ 10 do art. 62 da Constituição).

 

Todavia, a ofensa à lei maior não se revela quando se analisa a disposição (localização na norma precária) contida no seu texto, mas, sim, o próprio texto reiterado, o qual, em ambas as ocasiões, é este: no caso de perda da qualidade de segurado, para efeito de carência para a concessão dos benefícios de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez e de salário-maternidade, o segurado deverá contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com os períodos previstos nos incisos I e III do caput do art. 25.

 

Dispõe o § 10 do art. 62 da Constituição:

 

É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo.

 

A regra é cristalina. É defeso editar outra MP de igual teor na mesma sessão legislativa que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. E, de forma velada, foi exatamente o que sucedeu, porquanto no afã de restabelecer prazo maior de carência à concessão de benefícios previdenciários (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e salário-maternidade), o Executivo editou, durante o recesso parlamentar, outra MP (767/2017) para tratar de idêntico assunto sem aguardar o início da próxima sessão legislativa.

A sessão legislativa, nos termos do art. 57, da Constituição, é o período de atividade normal do Congresso a cada ano, de 2 de fevereiro a 17 de julho, e de 1º de agosto a 22 de dezembro. Sendo assim, a MP nº 767/2017, de 6.1.2017, não poderia ter sido editada antes do início da próxima sessão àquela sessão cuja MP 739/2016 fora rejeitada, ou, para melhor dizer, somente a partir de 2 de fevereiro de 2017 seria, com fulcro no texto constitucional, possível editar a MP 767/2017, posto que esta tratava de matéria igual à outra rejeitada (MP 739/2016).

E não se argumente que a MP 767/2017 foi editada depois de concluída a sessão legislativa que apreciou a MP 739/2016 e que a Constituição veda o envio de MP de idêntico teor durante a mesma sessão legislativa, nada dispondo sobre seu advento durante os recessos, situação verificada no presente estudo (MP 767/2017, editada em 6.1.2017).

Ora, o constituinte, quando criou a vedação de reeditar MP idêntica no curso da mesma sessão legislação, disse, em verdade, que não se verificaram preenchidos os requisitos indispensáveis à aprovação da MP anterior, e sua reapreciação deve ser realizada em outra sessão legislativa.

Sendo assim, inexiste razão para edição, reiterada, no curso do recesso parlamentar, de MP de idêntico conteúdo, valendo dizer que quando o Executivo assim procede, tenciona burlar regra cogente, não se sustentando qualquer outro argumento, notadamente porque o pedido de urgência, ínsito às Medidas Provisórias, não reverberou aquiescência na Casa Legislativa no período de análise da MP 739/2016 (rejeitada).

Importante abrir um parêntese. A Constituição, conforme asseverei linhas atrás, condiciona a edição de Medida Provisória a situações de relevância e urgência, e determina que ela seja submetida imediatamente à análise do Legislativo, e esse mecanismo visa a evitar eventual uso indevido da função legislativa (condicionada) pelo Chefe do Executivo.

Por isso, a edição de Medida Provisória no curso do recesso parlamentar não se revela acertado, e deveria existir regra proibitiva específica, pois os efeitos dela se iniciam desde quando publicada, trazendo consequências para todos sem que o Legislativo sequer conheça seu texto e analise, a tempo e modo, nos termos da Constituição, seus pressupostos de validade, o que, por via direta, pode ser considerado ofensa à regra constitucional, notadamente porque o caput do art. 62 da Constituição decreta que o Presidente da República poderá adotar Medidas Provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional, e isso, obviamente, não é possível durante o recesso parlamentar.

Extrai-se (retomando ao tema) que o art. 1º da MP 767/2017, na parte que incluiu o art. 27-A à Lei nº 8.213/91, padece de inconstitucionalidade,  pontualmente no que diz respeito ao lapso temporal necessário à reedição de Medidas Provisórias de teor igual, pois inobservada a regra contida no § 10 do art. 62 da Constituição Federal.

Assim, uma vez verificados vícios na sua constituição, a inconstitucionalidade do texto normativo deve ser declarada incidenter tantum, ou por provocação em Ação Direta de Inconstitucionalidade (controle difuso e concentrado, respectivamente). Diante dessa conjuntura, a MP 767/2017, no que se refere à inclusão do art. 27-A da Lei nº 8.213/91, padece de mácula e é, por isso, inconstitucional, sendo, em consequência, absolutamente correto assegurar que os seus efeitos não devem ser aplicados, inclusive no transcurso do tempo de sua vigência.

 

III

Em conclusão, a alteração da carência exigida àqueles que retornam a contribuir para o sistema para os benefícios de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e salário maternidade somente deve ser considerada a partir da publicação da Lei nº 13.457/2017, de 26.06.2017, excetuando as situações constituídas no tempo de vigência da MP 739/2016, para aqueles fatos ocorridos no limitado lapso temporal de sua existência.

                                                                              

 

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