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Vírus e prevenção

Especialmente no contexto em que pandemia e epidemias convivem simultaneamente, estamos expostos à coinfecção de diferentes vírus, como ocorre com a Covid-19 e a Influenza. Entenda os riscos e saiba como se proteger

Ana Luiza Nogueira  |   Ed. 128 Fevereiro 2022

Não é segredo que o corpo humano lida com invasores invisíveis a olho nu, que encontram diversas maneiras de driblar as proteções naturais do organismo e ali um vírus se instala para se multiplicar e sobreviver. O avanço da Medicina e dos estudos biológicos nos permite mapear alguns desses invasores e entender seus comportamentos e características. 

 

Dois desses invasores ganham especial atenção no contexto atual: o vírus causador da Covid-19 – desde a recente pandemia – e os vírus A, B, C e D que causam a Influenza – já mais conhecidos. 

 

Esses vírus podem ser responsáveis por causar infecções respiratórias agudas porque atacam as mesmas células: as do epitélio respiratório. Tais infecções são reconhecidamente algumas das principais causas de morbidade e de mortalidade no nosso planeta.  

 

Segundo dados publicados no documento de atualização epidemiológica, lançado no fim de 2021, da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada ano ocorrem entre 290 mil e 650 mil mortes por doenças respiratórias associadas à influenza sazonal (que surge em determinada época do ano). Já a Covid-19, em 2021, foi a causa de mais de cinco milhões de mortes em todo o mundo. 

 

Porém, nem sempre esses vírus agem separadamente – um de cada vez – como invasores de um mesmo organismo. Existe a possibilidade de “infecção dupla” (coinfecção, o termo mais adequado), ao mesmo tempo, pelos vírus causadores da Influenza e da Covid-19. 

 

Essa coinfecção ficou conhecida como Flurona: neologismo que mistura as expressões flu (gripe, em inglês) e corona (vírus causador de Covid-19). A palavra flurona traduz o estado de pessoas que ao adoecerem, em determinado momento, estão simultaneamente com os dois invasores.  

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Como identificar? 

Em entrevista à Agência FioCruz de Notícias, publicada em janeiro de 2022 no site da instituição, a médica infectologista Marília Santini, do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), esclarece que não é simples detectar uma coinfecção. Isso porque os sintomas de ambas as doenças são muito parecidos, já que essas patologias afetam as mesmas células.  

 

A infectologista explica que não é fácil de se esclarecer que a pessoa está com os dois vírus. Em geral, somente os testes ajudam a detectar o vírus que está instalado no organismo de quem chega ao médico com queixas mais comuns das duas infecções.  

 

“Há algumas coisas a considerar. A primeira é que fazer um teste de PCR não significa que a pessoa esteja infectada por aquele agente naquele momento. Isso ocorre porque o PCR detecta o material genético do agente, que pode permanecer detectável por um tempo mesmo com a pessoa já curada. Não é impossível que o paciente tenha uma infecção de Influenza, teste positivo e fique com esse exame positivo por uma semana, e logo depois pegue Covid e tenha o resultado do exame positivo também. Os exames disponíveis não permitem diferenciar em qual momento ocorreu a infecção. Pode ser uma coinfecção com dois agentes ao mesmo tempo ou ser bem próximo, com infecções sequenciais”, afirmou a infectologista à Agência.  

 

A depender da situação, de uma vez pode-se coletar o material suficiente para os testes dos dois vírus e, assim, saber se há a presença dos dois vírus no organismo.  

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Riscos da coinfecção  

Até o momento, a comunidade científica não pôde levantar dados suficientes para traçar um panorama certeiro sobre as complicações geradas pela coinfecção. Sobre o assunto, a infectologista Marília afirma que, aparentemente, a presença dos dois vírus ao mesmo tempo não influencia na evolução clínica ou na gravidade da doença. “No entanto, o número de casos observados não é o ideal para se ter essa resposta. Não existe um estudo específico para poder afirmar a coinfecção”, pondera a médica.  

 

Os riscos que os vírus têm em comum são, em geral, a capacidade de saturarem os sistemas de saúde público e particular, pela rapidez com que são transmitidos, e as complicações que podem causar especialmente nos grupos com fatores de riscos. 

 

Um estudo recente, divulgado na National Geographic Brasil, destaca que casos de “flurona” ainda são extremamente raros e ocorrem principalmente em pacientes relativamente jovens e saudáveis. Além disso, a publicação também revela que é improvável que os diferentes vírus, durante a “flurona”, tenham trocas genéticas que culminem no surgimento de formas híbridas mais graves da gripe ou da Covid-19. “Embora seja possível, em teoria, que tais trocas genéticas ocorram, as chances são extremamente baixas e certamente resultariam quase sempre em um vírus inviável”, explica o virologista evolucionário Stephen Goldstein, do Instituto Eccles de Genética Humana da Universidade de Utah, à National Geographic Brasil. 

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Proteção ao vírus 

Nos primeiros meses de 2022, a infecção pelo novo coronavírus registrou aumento substancial de casos, especialmente devido à variante ômicron, cuja transmissibilidade é altíssima. O aparecimento e o aumento no registro de coinfecções se deram, possivelmente, em razão da combinação inesperada entre a ômicron e a temporada muito ativa de H3N2 (Influenza), que veio “fora de época” em 2022. 

 

Segundo informações do Instituto Butantan, o surto de influenza que vem atingindo alguns estados do Brasil no verão “é a maior prova de que é preciso tomar a vacina contra a gripe periodicamente”.  

 

A cada ano, a vacina é atualizada com as cepas que mais circulam no hemisfério no período anterior. Mas em 2021 o Brasil não atingiu a meta de vacinação do público-alvo (90%), tendo em vista que o grupo prioritário que mais aderiu à imunização foi o de puérperas, com 80,4%, de acordo com o Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI), do Ministério da Saúde. Esse fator pode ter sido determinante para o aumento no número de casos registrados de H3N2 e de Flurona, revelando que a vacina é uma das principais formas de prevenção. 

 

O médico Wilton Ferreira Santos, da Divisão de Saúde Ocupacional do TRF1 (Disao), explica que a prevenção, além de ser o melhor remédio, é o medicamento mais barato. “O foco da atenção à saúde mudou da ‘cura’ para a ‘prevenção’, ou seja, evitar doenças futuras em indivíduos saudáveis. Nesse contexto estão inseridas as campanhas de vacinação, consideradas excelentes estratégias de prevenção primária das doenças”, afirma.  

 

Wilton explica que vírus respiratórios, como o da Influenza e o da Covid-19, podem ser transmitidos tanto pelo ar quanto pelo contato direto e indireto por meio de superfícies e objetos contaminados. “Nesse sentido, higiene das mãos e uso de máscaras são estratégias também importantes no controle da transmissão. Porém, com a vacinação reduz-se o número de pessoas susceptíveis”, reforça o médico.  

 

Para ele, ter um contingente de pessoas susceptíveis a uma determinada doença é condição necessária para que ocorram epidemias ou pandemias, e a infecção ou a proteção vacinal para vírus respiratórios, tais como os da Influenza e da Covid-19, não proporcionam imunidade definitiva. “Para ficarem protegidas, as pessoas têm que se vacinar periodicamente. No caso da gripe, a recomendação é que se vacinem anualmente. Para a Covid-19, provavelmente será estabelecida a mesma orientação”, salienta Wilton. 

 

Dados do Ministério da Saúde, atualizados em janeiro de 2022, revelam que mais de 400 mil doses contra a Covid-19 já foram distribuídas em todo o Brasil e mais de 350 mil vacinas aplicadas nos brasileiros. Doses de reforço também vêm sendo administradas na população, desde 2021, como medida de fortalecer a proteção contra o agravamento das infecções que podem levar os pacientes a óbito.  

 

Quanto à imunização contra a gripe (Influenza) de 2022, essa vacina já começou a ser produzida, e a data da campanha se aproxima. Segundo informações do Instituto Butantan, o imunizante distribuído em 2022 vai proteger contra as cepas H3N2, H1N1 e B, e a previsão é que a vacina comece a ser aplicada na população a partir de março, priorizando grupos específicos. 

 

E os efeitos colaterais?  

“Não tomo vacina porque não sei o que ela pode me causar”: essa é a preocupação de vários brasileiros quando o assunto é imunização. Sobre esses possíveis efeitos colaterais e como equilibrar a preocupação com a vacina e a necessidade de se vacinar, o médico da Disao assegura que todos os fármacos existentes têm efeitos colaterais: “Não existe medicamento cuja utilização não implique riscos. E com as vacinas não poderia ser diferente, mas, nesse caso, os benefícios superam imensamente os riscos”. 

 

A exemplo da vacinação contra a Covid-19, Wilton lembra que os efeitos colaterais sérios são raros. “Muitos dos relatos de eventos adversos da vacina contra a Covid-19 guardam mais uma relação temporal com a aplicação do imunizante do que propriamente uma relação de causalidade. Com mais de  dez bilhões de doses aplicadas no mundo e cerca de 180 milhões feitas somente no Brasil, era de se esperar que eventos adversos aconteçam, mesmo os muito raros. Nunca na história da humanidade se havia utilizado tanto um produto, em tanta quantidade e em tão curto espaço de tempo. Então, é claro que os efeitos colaterais vão aparecer”, aponta. 

 

Entretanto, o médico assegura que grande parte das reações descritas até o momento foram leves. “Complicações de maior gravidade, com necessidade de internação, foram descritas raramente e com mortalidade próxima a zero. Dessa forma, mortes e complicações decorrentes da infecção foram bem mais frequentes do que com o uso das vacinas. O que torna a opção deliberada por não se vacinar injustificável e, na maioria das vezes, muito mais fundamentada em questões ideológicas do que científicas”, ressalta Wilton. 

 

Algumas pessoas se automedicam antes de tomar a vacina para evitarem efeitos colaterais da imunização, essa atitude é que preocupa! A enfermeira Marlise Vieira de Matos, da sala de vacina de uma Unidade Básica de Saúde (UBS) do Distrito Federal, alerta: “Nós (profissionais da saúde) temos conhecimento de que essa atitude pode afetar a eficácia da vacina”. Assim, não é aconselhável tomar medicamentos, como o paracetamol, por exemplo, como forma preventiva de possíveis reações a vacinas. 

 

Segundo Marlise, a principal contraindicação quanto à eficácia da vacina é tomá-la se a pessoa estiver com febre no dia da aplicação. Caso contrário, não há com o que se preocupar, pois “outros fatores normalmente não afetam a possibilidade de aplicação, como o uso de antibiótico para tratamento de alguma doença em curso, por exemplo”. 

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Ato de coletividade 

Para o médico Wilton Ferreira, a vacinação vai muito além do individual, pois, principalmente em tempos de epidemia, não se trata de um ou de outro indivíduo ou grupo de indivíduos, mas sim de uma coletividade.  

 

“Não é sobre mim ou sobre você, mas sobre nós. O ciclo de transmissão de uma doença durante um surto epidêmico só é interrompido quando o número de indivíduos susceptíveis fica abaixo do número necessário para manter o vírus circulando”, afirma Wilton. Assim, uma maneira de as pessoas se protegerem é interromper a cadeia de transmissão de uma doença, esse recurso tem que ser utilizado pelo maior número possível de indivíduos. 

 

O médico da Disao ressalta, ainda, que a vacinação é um esforço em prol do coletivo e que parte de iniciativas individuais, ou seja, mesmo que não se faça parte de grupos de risco para determinada doença, a decisão de se vacinar tem a ver com o bem coletivo, com a construção de uma rede de proteção por um conjunto de pessoas que dividem espaços de convivência em comum.  

 

“Pessoas que optam por se vacinarem, além de se protegerem mutuamente, protegem aquelas pessoas que, por motivos médicos, não podem ser imunizadas e dependem da situação vacinal alheia para poderem circular com mais segurança nos ambientes onde vivem”, concluiu. 

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