Saúde mental na pandemia
Pesquisas mostram como a pandemia tem impactado na saúde emocional e psicológica das pessoas. Por esse motivo, é importante estabelecer cuidados para conter o aparecimento de sintomas de ansiedade e depressão.
Ana Paula Souza | Ed. 119 abril 2021
Quais podem ser os reflexos de uma pandemia e tudo que ela acarreta (isolamento social, luto, medo, desemprego, preocupações etc) para a saúde mental? Dados de uma pesquisa realizada pela Associação Brasileira dex Psiquiatria (ABP) com cerca de 400 médicos de 23 estados e do Distrito Federal mostram que os atendimentos psiquiátricos aumentaram 25% na pandemia. De acordo com 89% dos médicos consultados, houve agravamento de quadro psiquiátrico dos pacientes.
Esta edição da Primeira Região em Revista conversou com a psicóloga do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), Daniella Maria Freire Meira Lima, para entender como cuidar da saúde mental e frear os reflexos e consequências da pandemia no emocional.
De acordo com a especialista, a pandemia do novo coronavírus (COVID-19) é a maior emergência de saúde pública que a comunidade internacional enfrenta em décadas. Além das preocupações quanto à saúde física, trouxe também grande sofrimento psicológico à população em geral e profissionais da saúde. Eventos estressores de impacto comparável a este na saúde mental da população são somente guerras e catástrofes de efeitos duradouros como: furacões, terremotos ou acidentes nucleares. Por isso, a pandemia e seus efeitos podem ser comparados a outros aspectos e condições que geram estresse, depressão ou ansiedade. “A rápida disseminação do novo coronavírus por todo o mundo, as incertezas sobre como controlar a doença e sua gravidade, além da imprevisibilidade acerca do tempo de duração da pandemia e dos seus desdobramentos são fatores que, sim, de forma significativa, têm favorecido o aparecimento de sintomas de ansiedade e depressão”, afirmou a psicóloga.
Daniella explicou tecnicamente de que forma fatores como isolamento social, desemprego e medo podem afetar o físico e o emocional das pessoas. “Os danos físicos e emocionais ocorrem em função do isolamento social, mas, principalmente em virtude das incertezas e das mudanças nas rotinas nas relações familiares e no trabalho. O funcionamento da química de nosso cérebro é alterado sempre que percebemos que estamos em risco. Somos compelidos a reagir imediatamente, lutando ou fugindo. Quando as respostas que damos às tentativas de reação não são eficazes e o risco não cessa, ou mesmo diminui, entramos em exaustão e começam os danos físicos e emocionais. A baixa tolerância à frustração, o cansaço físico e mental, as dificuldades para dormir, a busca de formas inadequadas para alívio de tensão, os sentimentos de tristeza e angústia, enfim, o agravamento do adoecimento mental, o aumento do consumo de álcool e drogas, e da violência doméstica, tudo acontece neste contexto”, detalhou.
A psicóloga do TRF1 destacou dados de um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, de C. Wang e outros autores sobre implicações na saúde mental diante da pandemia. O estudo foi realizado com a população geral na China, incluindo 1.210 participantes em 194 cidades, durante o estágio inicial da pandemia. A pesquisa revelou sintomas moderados a severos de ansiedade, depressão e estresse, em 28,8%, 16,5% e 8,1% dos respondentes, respectivamente. Além disso, 75,2% dos respondentes referiram medo de que seus familiares contraíssem a doença. Ser mulher, estudante e apresentar sintomas físicos ligados à COVID-19, ou problemas de saúde prévios, foram fatores significativamente associados a maiores níveis de ansiedade, depressão e estresse.
Conforme ressalta Daniella esse e outros estudos demonstraram ainda a vulnerabilidade a que estão expostos crianças, adolescentes e idosos por conta do isolamento. “Outros estudos apontam que o isolamento prolongado trouxe dano significativo também a jovens e crianças. Houve aumento do risco de ocorrência de problemas de ensino-aprendizagem e evasão escolar, redução do acesso à alimentação, água, práticas de higiene pessoal e programas recreacionais, sobretudo nas comunidades em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Sem falar no maior risco de crianças e adolescentes sofrerem violência quando as escolas estão fechadas. Para pais, mães e demais cuidadores, o fato de estarem trabalhando remotamente ou mesmo impossibilitados de trabalhar, ou ainda, desempregados – sem previsão sobre o tempo de duração dessa situação –, tende a gerar estresse e medo, inclusive quanto às condições para a subsistência da família, reduzindo a capacidade de tolerância e aumentando o risco de violência contra crianças e adolescentes. Outras pesquisas indicam vulnerabilidade de idosos e outros grupos de risco em função da diminuição das conexões face a face e das interações sociais rotineiras, o que também tem sido um estressor importante nesse período. Cresceu também risco de violência contra mulheres nesse período, em que as vítimas costumam ficar confinadas junto aos agressores”, pontuou.
Segundo a psicóloga, para diminuir os níveis de ansiedade, depressão e estresse é importante, do ponto de vista da gestão coletiva dos efeitos, fornecer informações precisas sobre a situação local da doença, formas de prevenção e tratamento. A difusão de mitos e informações equivocadas sobre a infecção e as medidas de prevenção impedem que a população em geral possa compreender as orientações das autoridades sanitárias e assim consiga estabelecer comportamentos de proteção e, também, estratégias de enfrentamento emocional. Também é imprescindível ampliar os canais de denúncia e de solicitação de apoio médico, psicológico e de assistência social durante o período de pandemia. É fundamental disponibilizar atendimento por meio de comunicações on-line (via aplicativo de mensagens ou site), além de contato telefônico ou presencial nos órgãos de saúde e da rede de enfrentamento a violência.
Por fim, Daniella indica que do ponto de vista individual, a redução do estresse, da ansiedade e da depressão deve passar pela busca de pronto apoio, ou seja, não esperar o fim da pandemia para procurar ajuda, ou que tudo se resolva com o passar do tempo. Além disso, é importante fixar e negociar com clareza seus limites – o que se deve, pode e quer fazer; incluir, na medida do possível, na sua rotina atividades prazerosas – religiosas, de meditação ou relaxamento; reduzir as incertezas, buscando fontes confiáveis de informação para pautar a sua tomada de decisões e cultivar a generosidade e a tolerância consigo mesmo e com os outros para favorecer a adaptação às constantes mudanças. “O ponto-chave durante o período em que estamos mais isolados socialmente para nossa saúde mental é mesmo exercitar a generosidade, a tolerância, a paciência conosco e com os demais. Planejar é importante? Sim, mas compreender que nem sempre tudo sai como planejado e, durante este período é essencial replanejar, recomeçar quando as coisas não dão certo”, aconselhou.
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