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Judiciário e Direito à Saúde

Esmaf promove debates sobre direito fundamental à saúde no contexto histórico da pandemia viral e o desenvolvimento sustentável do milênio

Ana Paula Souza 

Novembro 2021

 |   Ed.

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Judiciário e Direito à Saúde

Saúde é uma das garantias do cidadão previstas na Constituição Federal de 1988. O artigo 196 da Carta Magna determina que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário a ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.


Se, antes da pandemia, a prestação de serviços pelo Poder Público já enfrentava judicialização para sanar problemas com consultas, exames, UTI e remédios, após a crise sanitária essas questões se agravaram.


Dados do Departamento de Pesquisas Judiciárias Conselho Nacional de Justiça (DPJ/CNJ) revelam aumento anual da quantidade de casos levados à Justiça envolvendo a área de saúde, ultrapassando 2,5 milhões de processos entre os anos de 2015 e 2020. O desabastecimento de medicamentos e a falta de especialistas são alguns dos fatores que têm motivado a judicialização.


Por se tratar de tema tão sensível para o jurisdicionado, a saúde está em constante debate pelo Poder Público. Reflexões sobre posicionamentos, a busca por soluções e propostas de inovações que colaborem com a melhora da prestação do serviço de saúde são algumas das preocupações levantadas nesses debates.


Fórum Jurídico

Seguindo o mesmo caminho, a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) realizou, no dia 9 de novembro, o XVI Fórum Jurídico on-line com o tema “Direito Fundamental à Saúde no contexto histórico da Pandemia Viral e o Desenvolvimento Sustentável do Milênio”.


O evento foi transmitido ao vivo pelo canal da Esmaf no YouTube e a ideia foi promover debates sobre o direito constitucional à saúde e os vários aspectos que envolvem a temática.


Coordenadora e mediadora do Fórum, a desembargadora federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Mônica Sifuentes, destacou a relação do tema com o princípio da fraternidade. “Esse debate chama atenção para o princípio da fraternidade, pois a pandemia é uma oportunidade para a humanidade repensar seus valores, especialmente em termos de serem mais fraternos uns com os outros e dar espaço à solidariedade”, refletiu a magistrada.


A palestra de abertura foi realizada pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Carmen Lúcia. A magistrada falou sobre a missão constitucional do Poder Judiciário no Estado de Direito e de justiça social.


Carmen Lúcia exaltou o papel das escolas jurídicas em promover reflexões, a exemplo do trabalho realizado pela Esmaf. “Passamos por uma pandemia sanitária que nos revelou outras pandemias: políticas, humanitárias e econômicas. As escolas judiciais são espaços em que podemos nos unir à sociedade para ao menos fazer uma reflexão e, a partir disso, tomar decisões sem sermos levados e pensando também no outro. Este é um papel que escolas fazem e, por isso, parabenizo a Esmaf 1ª Região por essa possibilidade de hoje”, congratulou Carmen Lúcia.


A ministra do STF ressaltou, em sua fala, aspectos da democracia na busca de efetivação dos direitos e das liberdades: “A democracia deve ser permanentemente pensada e experimentada e não perder, em nenhum momento, o conjunto de princípios que constituem as liberdades. Democracia, na verdade, é um direito fundamental de cada pessoa e onde nós conseguimos implementar a execução de todos os direitos”.


Em uma reflexão sobre aplicação do Direito e princípios constitucionais, a ministra falou de desigualdades e do esforço do Judiciário a partir do comprometimento dos juízes em aplicar a Justiça. “O direito à saúde não se cumpriu em 33 anos depois da Constituição. Existem desigualdades, pois, ao passo que alguns fazem tratamento no exterior, outros não conseguem atendimento perto de casa. Temos o compromisso de fazer valer uma ideia de Justiça”.


A magistrada complementou: “O Poder Judiciário deve guardar a Constituição para que ela seja um caminho ou a sinalização dos caminhos que a sociedade brasileira e os cidadãos precisam. Ele atua para cumprir a tarefa de se fazer garantir os direitos fundamentais. Nós vemos que essa pandemia deixou à mostra não só as desigualdades existentes, mas trouxe outras como desemprego e a devastação ambiental que aumentou. Portanto, nós temos grandes desafios de fazer com que a Constituição seja cumprida, pois, se é função do Supremo Tribunal Federal guardar a Constituição, é papel de cada cidadão fazer com que a democracia seja para todos um compromisso cívico de sermos solidários no sentido do que determina a Constituição: sermos República brasileira e tentar igualar o que está desigual”.


Saúde e meio ambiente

O professor Celso Fiorillo, primeiro livre-docente em Direito Ambiental do Brasil, abordou o tema “Gestão da saúde ambiental em face do direito empresarial ambiental”, em que fez um contraponto entre dois fundamentos da Condição Federal: o da dignidade da pessoa humana e o da ordem econômica do capitalismo.


“É exatamente por força desse choque do que significa a ordem econômica do capitalismo que o Poder Judiciário enfrenta grandes temas que envolvem a matéria de saúde, mas quero deixar claro que foi a nossa Constituição Federal que vinculou o conceito de saúde ao conceito jurídico constitucional do que é meio ambiente”, explicou o professor.


A Constituição traz, no artigo 6º, a saúde como direito social e, no artigo 225, o direito ao meio ambiente. Em sua palestra, o especialista em direito ambiental informou que, ao contrário das Cartas Magnas anteriores, a saúde aparece na nossa atual Constituição Federal 67 vezes. “Ela apareceu uma vez na Constituição de 1824 e nenhuma na primeira Constituição da República”, disse.


O professor destacou que, se a saúde é um tema ambiental, todo e qualquer tema que envolva direito ambiental constitucional, inclusive seus princípios, se aplica à saúde. Ele apresentou o conceito de saúde feito em 1947 pela Organização Mundial de Saúde (OMS): estado de completo bem-estar físico, mental e social, não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Portanto, a percepção do conceito de qualidade de vida também tem muitos pontos em comum com a definição de saúde.


Na palestra, o docente ainda ressaltou que o STF, no julgamento da ADI 3540, estabeleceu que o meio ambiente envolve, além da flora e da fauna, os conceitos de meio ambiente cultural, artificial e laboral.


Segundo ele, o Supremo estabeleceu a necessidade de compreender o que é desenvolvimento sustentável. “Não é uma faculdade, mas a imposição do ponto de vista de política pública da ordem econômica. Existem limites para atividade econômica, principalmente em matérias que envolvem a saúde”, falou.


Celso Fiorillo apontou que 90% das decisões do STF são fundamentadas no princípio da prevenção – um princípio de direito ambiental – e relatou que, entre as 30 maiores empresas transnacionais do mundo, seis delas estão na área de saúde de medicamentos.


Saúde para uma sociedade justa

Como construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional sem a saúde? Como se reduz desigualdades sociais sem saúde? Foram com esses questionamentos que a juíza federal Kátia Balbino, da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), iniciou sua palestra.


A magistrada citou artigos da Constituição Federal que têm relação sobre o direito à saúde, tais como o 1º, que estabelece a dignidade da pessoa humana como fundamento da República, e o artigo 3º, que expressa objetivos fundamentais como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a redução das desigualdades sociais e regionais.


Kátia explicou que o direito à saúde, em muitas situações, tem se efetivado por meio da judicialização, que é bastante criticada. “Infelizmente a atividade jurisdicional na defesa da dignidade da pessoa humana é criticada por conta de processos de judicialização da saúde. Mas o direito à vida não existe sem o direito à saúde. O Judiciário não busca demanda, mas ele não pode negar a prestação jurisdicional como forma de redução de acervo, isso é inconstitucional. Eu espero que, nas gerações futuras, a judicialização não seja mais necessária”, ressaltou.


Na visão da magistrada, as demandas para garantir o direito à saúde não podem ser apenas estatísticas e, embora defenda o acesso das pessoas à Justiça para reivindicar esse direito, fez uma análise sobre os custos da judicialização. “O acesso à Justiça só vem a partir da efetiva prestação jurisdicional, não apenas com uma petição no PJe, mas também com a realização daquele direito violado que precisa ser garantido. Mas o que significa a judicialização da saúde e qual é o seu custo? Perícias, orçamentos na rede privada, choque com o orçamento público. Ela significa um termômetro para mostrar que um determinado setor de políticas públicas precisa ser repensado”, alertou Kátia.


A juíza defendeu que o caminho para que não haja judicialização é a aplicação da Carta Magna de 1988: “O caminho é o cumprimento da Constituição e a garantia do direito à saúde. É necessário empatia e solidariedade. Não podemos esconder as pessoas e fingir que elas não existem. Assim se constrói uma sociedade justa, onde vale a pena não morrer e salvar vidas. Uma sociedade cheia de esperança”, finalizou.


Controle judicial de políticas públicas

A última palestra foi ministrada pelo procurador da República do Estado do Amazonas, Igor Spindola, com o tema “Limites e desafios da fiscalização e controle judicial das políticas públicas de saúde”.


O procurador falou da atuação do Ministério Público Federal (MPF) na questão do enfrentamento da Covid-19 em Manaus, capital do estado do Amazonas, um dos que mais teve problemas durante a pandemia com falta de oxigênio para os doentes e ausência de política pública para atenuar a situação.


Igor Spindola observou que o Brasil é referência mundial em vários programas de saúde e, em relação à pandemia, o programa que colocou o Brasil como potência mundial no assunto foi o Plano Nacional de Imunização. “Eu não sou partidário da ideia de que o Sistema Único de Saúde (SUS) foi piorando com o tempo. Eu acredito e vejo isso na minha atuação diária. O SUS foi se propondo cada vez mais e por isso sendo mais demandado, mas essa ampliação se deu de maneira pouco planejada e isso foi diminuindo a percepção positiva do sistema. Na verdade, o SUS é uma joia nacional”, considerou.


De acordo com o procurador, a pandemia pegou todos de surpresa: “A gente não sabia o quanto isso impactaria a economia e o quanto aumentaria a desigualdade no Brasil, nem quais eram os mecanismos científicos de atuação do vírus e do que a gente iria precisar a título de uma política pública efetiva. Tudo que a gente conhecia de lei, jurisprudência, construção teórica... todo network que a gente construiu ao longo de décadas e o knowhow não nos preparou para o que vinha. Agora temos mais segurança do que fazer e como fazer, mas, antes, não tínhamos”, comentou.


“No caso da saúde, a atuação demanda um conhecimento técnico, além de sensibilidade política. A gente passou a precisar de um nível muito grande de voluntarismo social e de solidariedade, só que isso é disfuncional da perspectiva social do Estado, porque a gente precisa de políticas para tratar de questões como o uso de máscara obrigatória, vacina ou qualquer outra questão, e não de uma virtude humana. Cabe ao Poder Executivo a implementação de políticas públicas de saúde”, criticou o procurador.

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região

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