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Aplicação do Direito e a CF de 1988
Escola de Magistratura promove Fórum para debater papel do juiz na aplicação do Direito com base nas determinações da Carta Magna de 88
Ana Paula Souza
Outubro 2021
| Ed.
125

Entre os acontecimentos históricos que marcaram a década de 80 no Brasil, a promulgação da Constituição Federal em 1988 é um dos que merece destaque.
Conhecida como “Constituição Cidadã”, a norma orienta todo o ordenamento jurídico brasileiro e ganhou um cunho cidadão por estabelecer direitos e garantias que preservam o caráter democrático do novo Brasil que se apresentava naquela década.
Marca importante da Constituição Federal de 88 foi a reestruturação Poder Judiciário, com a extinção do Tribunal Federal de Recursos e a criação dos Tribunais Regionais Federais (TRFs) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além direcionar a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF).
A criação de um capítulo específico para indicar instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e o Ministério Público (MP), com funções essenciais à Justiça, para compor o sistema jurídico brasileiro também foi novidade.
Toda essa estrutura se coaduna com o rigoroso devido processo legal, previsto no artigo 5º, em que o juiz ganha papel fundamental na aplicação do Direito. Essas mudanças mostram, ainda, como o constituinte se preocupou em formatar uma Justiça que atendesse aos interesses do cidadão.
Em 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, o Poder Judiciário foi novamente reformulado com modificações estruturais que afetaram a composição dos tribunais, estabeleceram regras direcionadas aos membros da magistratura. Entre as mudanças realizadas está a criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
A constituição completou 33 anos em 2021 e, mesmo depois de três décadas, o Judiciário continua se aperfeiçoando no que diz respeito à aplicação do Direito. Com base nisso, a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) reuniu, no 13º encontro da série on-line “Diálogos Jurídicos da Magistratura Federal” – ocorrido no dia 15 de outubro – especialistas para debaterem a aplicação do Direito pelos juízes sob a ótica da Constituição de 1988.
Aspectos do Direito à luz da CF
A aplicação do Direito pelos juízes foi o tema da primeira palestra do evento apresentada pelo ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Eros Grau. O jurista fez uma analogia a partir de escritos do filósofo Jean Paul Sartre, que destaca o papel do garçom em um café. Pelo texto, o garçom aspira exercer seu papel de uma maneira em que cada ato pareça necessário e inevitável e, nesse sentido, para Eros Graus, o mesmo acontece com o juiz ao exercer a sua função. “Esse texto é primoroso, pois é exatamente assim que o juiz cumpre o seu papel proposto pela Constituição. O juiz é um servo da Lei que interpreta e aplica o Direito nos termos da lei”, afirmou o ministro aposentado.
De forma técnica, Eros Grau explicou os dois momentos da aplicação e interpretação do Direito. No primeiro momento, o texto normativo caminha para se tornar norma jurídica, e, em segundo momento, existe a passagem da norma jurídica à norma de decisão.
“Existe uma distinção entre texto e norma jurídica, produzida pelo Judiciário. O Legislativo produz textos normativos. Texto legislativo e norma jurídica não se identificam. A norma jurídica é produzida pelo intérprete autêntico, o juiz, e é o resultado da interpretação jurídica. Mais do que meramente compreender para conhecer, é uma atividade voltada à obtenção de uma decisão para problemas práticos. A interpretação jurídica é feita pelos membros do Poder Judiciário, mas também é necessário que se faça uma distinção fundamental entre interpretação e aplicação, que não obstante não se realizam autonomamente. Posso resumir dizendo que a interpretação tenta tornar o Direito concreto em cada caso”, explicou Eros.
Segundo o magistrado, essa análise é fundamental e precisa ser explicitada e reafirmada pela magistratura: “Pode uma democracia existir sem que os juízes sejam servos da Lei? Não, porque a independência judicial, que é fundamental, é vinculada à obediência dos juízes à Constituição e à Lei”.
Eros Graus continuou sua análise sobre a autenticidade do juiz na interpretação de normas, defendendo a aplicação do Direito Positivo e expressando o temor de que magistrados substituam o controle de constitucionalidade pelo controle da proporcionalidade e da razoabilidade das leis. “O Direito não é uma ciência, é uma prudência e os juízes criam jurisprudência. Fazem isso compreendendo, além dos textos, a realidade. O Direito é um dinamismo, ele é sempre atual e contemporâneo à realidade. Por isso, eu tenho medo dos juízes que substituem o controle da constitucionalidade por outra espécie: o controle da proporcionalidade ou da razoabilidade das leis. O controle da constitucionalidade tem que ser exercido no primeiro momento e não de forma secundária. Essa transgressão tem sido praticada cotidiana e reiteradamente por vários tribunais que praticam o controle da proporcionalidade e da razoabilidade das leis sem se dar conta de que a elas só podem ser consideradas no momento da aplicação do resultado do julgamento e não da aplicação do texto em norma. Isso coloca em risco a positividade do Direito”, aprofundou o ministro aposentado do STF.
Na ocasião, o professor e jurista Nabor Bulhões falou sobre o Processo Constituinte e a Constituição de 1988 em 33 anos de vigência. Bulhões destacou que a Carta de 88 é uma conquista histórica ao resgatar as características das constituições anteriores que tinham limitações programáticas das normas instituidoras de direitos.
“Até chegar no que se tem hoje passamos por um processo histórico penoso, onde houve resistência democrática por 21 anos durante a ditadura. Foi um processo verdadeiramente democrático. Não foi fácil conciliar forças políticas antagônicas no processo constituinte que se organizou a partir de oito comissões temáticas e 24 subtemáticas. Não foi fácil. Chegou a se pensar que esse trabalho não prosperaria. Buscou-se construir um texto com norma de eficácia para instituir uma constituição antigolpe e hoje temos uma constituição legítima com conteúdo formal e material”, relembrou o jurista.
O professor explicou que a Constituição de 1988 tentou fugir da tradição histórica do Brasil de produzir textos constitucionais ineficazes. E, na visão de Nabor Bulhões, a estratégia deu certo com a implantação de instrumentos que garantem o controle de constitucionalidade.
“Foi um momento constituinte muito rico, pois permitiu identificar os vícios e as omissões do passado. A Carta Magna de 1988 definiu direitos sociais, culturais, econômicos ambientais; e não só isso, ela estabeleceu mecanismos para sua implementação, o que é um notável Sistema de Controle de constitucionalidade. Nós temos o controle difuso com origem americana, o controle abstrato de Kelsen e, mais do que isso, passamos a identificar a omissão Legislativa e a inconstitucionalidade por omissão. Esse sistema conta com a ação direta de inconstitucionalidade por ação ou por omissão; temos o mandado de injunção no plano concreto, ao lado do habeas corpus e do mandado de segurança, para permitir a eficácia da ação de direitos condicionais definidos mas não regulamentados, e que possibilitou aperfeiçoamento de sistema; temos ação por descumprimento de preceito fundamental... vejam que completude tem o nosso sistema de controle de constitucionalidade pensado, imaginado e instituído para garantir a eficácia da Constituição”, expressou o professor.
A Emenda Constitucional 45/2004 também foi enfatizada na palestra pelo jurista como sendo uma das maiores inovações, pois criou o controle de convencionalidade, que trouxe avanço na área de Direitos Humanos. A EC também criou órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). “O controle de convencionalidade permitiu a inserção de um parágrafo no artigo 5º que determina que os acordos e convenções internacionais em matéria de Direitos Humanos firmados pelo Brasil com quórum de emendas constitucionais passam a viger no país como força de emendas. A Emenda 45 redistribuiu competências em matéria de Direito Internacional como expedição de cartas rogatórias e sentença estrangeira, instituiu a súmula vinculante e estabeleceu a repercussão geral no recurso extraordinário para racionalizá-lo. Foi uma reforma muito significativa”, comemorou Bulhões.
Nabor Bulhões finalizou a sua fala enfatizando que, ao longo desses 33 anos de promulgação da carta de 1988, o Brasil enfrentou crises institucionais e políticas sérias, como dois processos de impeachment, mas superou por mecanismos sólidos em sua Constituição Federal. “Não existe, no sistema Republicano, uma crise política mais grave do que aquela que leva a remoção de um presidente da República. O Brasil enfrentou dois processos de impeachment e superou pelas conformações previstas na Constituição. É a melhor das que já tivemos”, concluiu o jurista.
Para assistir à íntegra das palestras, acesse o canal da Esmaf no YouTube.